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Pedro Gomes pedro.gomes@entroncamentoonline.pt

A Ucrânia, desde o seu nascimento, sempre desempenhou um papel importante na esfera internacional, mas às vezes esquecido, no que diz respeito à ordem de segurança mundial. Hoje, o país está na linha da frente de uma rivalidade renovada entre grandes potências, uma realidade que muitos analistas e académicos dizem que dominará as relações internacionais nas próximas décadas.

Quase uma década depois do ataque russo à Ucrânia em 2014, um ousado mas frustrado Vladimir Putin, mais isolado, remoto e caprichoso do que nunca, invadiu mais uma vez um vizinho seu à descarada. Mas, ao contrário do que se sucedeu em 2014, aquando da anexação da Crimeia, a Ucrânia e o Mundo estavam ligeiramente melhor preparados. O presidente russo calculou de forma errada a rapidez com que a opinião pública e global se voltaria contra ele. Também interpretou, de maneira imperfeita, o quão feroz seria a resistência ucraniana.

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Sintetizando, Vladimir Putin, com confiança e ambição desmedida, percecionou incorretamente o apoio que poderia vir a receber do seu próprio povo e certamente não imaginou as ações decisivas que atores estatais e agentes não – estatais estavam dispostos a tomar para explorar todas as suas falsidades, sob forma de pretexto justificativo, a fim de encontrar uma narrativa sobre a qual se pudesse camuflar. Factualmente, a Europa respondeu eficazmente, os governos uniram-se, as nações cooperaram, e assim, foi lançado o pacote de sanções mais abrangente e coordenado já emitido a qualquer ordenamento jurídico até hoje.

No entanto, a questão que se edifica é simples: Serão essas punições suficientes?

A invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia em 2022 marcou uma dramática escalada num conflito de 8 anos e configura um ponto de viragem histórico para a defesa europeia. Com a sólida e importante expansão da ajuda ocidental, a Ucrânia conseguiu frustrar muitas investidas do ataque russo, ainda assim, várias cidades ucranianas foram pulverizadas e um quarto dos seus cidadãos são agora refugiados ou deslocados. Não é categórico e claro como pode vir a surgir uma resolução diplomática para cessar esta guerra, por isso, o lugar da Ucrânia no Mundo, incluindo o seu futuro alinhamento com instituições como a União Europeia e a NATO, está em equação.

Aquilo que é irrefutável é que a Ucrânia é um ponto de fulgor geopolítico. Com efeito, a Rússia, que tem laços culturais, económicos e políticos profundos com a Ucrânia, apresenta amplos interesses no país que invadiu. Facilitando, para a visão Putiniana, uma linha cleptocrata, a Ucrânia é um eixo central para a identidade russa e para o legado que Putin quer implementar no planisfério.

Importa destacar os seguintes ângulos de análise:

1 – LAÇOS DE FAMÍLIA: A Rússia e a Ucrânia têm fortes relações familiares que remontam a séculos. Kiev, a capital da Ucrânia, às vezes é intitulada como “A mãe das cidades russas”, a par com a influência cultural de Moscovo e São Petersburgo. Atente-se que foi em Kiev, que nos séculos VIII e IX, foi trazido o cristianismo de Bizâncio para os povos eslavos. E foi o cristianismo que serviu de âncora para a Rússia de Kiev, o antigo estado eslavo do qual os russos, ucranianos e bielorussos modernos extraem a sua linhagem.

2 – DIÁSPORA RUSSA: Em 2001 viviam na Ucrânia 8 milhões de russos étnicos, principalmente no sul e no leste. Moscovo reivindicou o dever de proteger essas pessoas, como um argumento que desculpasse, as suas ações na Crimeia e no Donbass em 2014.

3 – IMAGEM DE SUPERPOTÊNCIA: Após o colapso soviético, muitos políticos russos viram o divórcio com a Ucrânia como um erro da história e uma ameaça à posição da Rússia como uma grande potência. A verdade é que o sentimento dos russos é o de que a ausência de controlo permanente da Ucrânia significa um resgate ocidental, que seria encarado internamente como um rude golpe no prestígio internacional da Rússia.

4 – CRIMEIA: O líder soviético Nikita Khrushchev transferiu a Crimeia da Rússia para a Ucrânia em 1954 para fortalecer os laços fraternais entre o povo ucraniano e o povo russo. Todavia, desde a queda da união, muitos nacionalistas russos na Rússia e na Crimeia ansiavam pelo retorno da península. A cidade de Sebastopol é o porto de origem da Frota do Mar Negro da Rússia, a força marítima dominante na região.

5 – COMÉRCIO: A Rússia foi durante muito tempo o maior parceiro comercial da Ucrânia, embora esta ligação tenha diminuído substancialmente nos últimos anos. A China acabou por superar a Rússia no comércio com a Ucrânia. Antes da invasão da Crimeia, a Rússia desejava atrair a Ucrânia para o seu mercado único, a União Económica da Eurásia, que hoje inclui Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão e Quirguistão.

6 – ENERGIA: A Rússia depende há décadas dos oleodutos ucranianos para bombear o seu gás para clientes na Europa Central e Oriental e paga biliões de dólares americanos por ano em taxas de trânsito para Kiev. O fluxo de gás russo através da Ucrânia continuou no início de 2022, apesar do início das hostilidades mais robustas entre os dois países. A Rússia planeava transportar mais gás para a Europa através do seu novo gasoduto Nord Stream 2, que corre sob o Mar Báltico até à Alemanha, mas Berlim congelou a aprovação regulatória do projeto após a invasão da Rússia.

Verificamos que, neste Mundo que assenta em Globalização, a Rússia tem feito questão de preservar a sua influência política na Ucrânia e em toda a antiga União Soviética.

Para rematar, relembro algumas palavras de Montesquieu. Escrevia o autor que “todo o homem que tem poder é levado a abusar dele; vai até encontrar limites”. É assim tanto no plano doméstico dos Estados, como na política internacional, onde, nos últimos 10 anos não se tem conseguido lidar devidamente com uma brusca cleptocracia russa apostada em fragmentar as democracias liberais.

Transmito a minha total solidariedade para com o povo ucraniano. São inadmissíveis todas as atrocidades russas que estão a ser perpetuadas. Quem louva a violação, por uma potência revisionista e agressiva, dos princípios basilares da ordem Westefaliana, como a soberania e a não ingerência, ignora a história e não compreende que o expansionismo russo ameaça a ordem internacional sobre a qual repousa o nosso modo de vida.

A Ucrânia, situa-se no leste europeu, mas é já aqui ao lado. Não colocar limites a Putin é franquear ainda mais as portas da segurança europeia e da defesa transatlântica.

Pedro Gomes

Deputado Municipal

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