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Raúl Pires raul.pires@entroncamentoonline.pt

Num domingo de manhã, ao passar a vista pela imprensa escrita, pude ler: “Bispo do Porto pede descanso ao domingo”. Entendo! Está muito bem dito, mas isto nada tem a ver com a vida das pessoas que têm de levar para casa o pão de cada dia para alimentar os seus filhos. Nem a vida daqueles que passaram a semana a trabalhar e precisam do domingo para descansar. Descansar implica lazer, são convívio, longe, se possível, dos mitos e dogmas que têm cada vez menos sentido.

A Igreja Católica está com graves dificuldades em compreender a sociedade actual. Os seus, líderes, ou pelo menos alguns deles, estão a ficar reféns duma época da humanidade dominada pelo pensamento mítico e pelo comportamento ritual. Um olhar atento ao que se está a passar, concluirá que as Igrejas estão a ser substituídas pelas grandes superfícies comerciais. Os centros comerciais são os novos lugares de culto, de convívio, de cultura, de compras, de bem-estar, longe do mito do fogo eterno do inferno.

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O deus adorado nos centros comerciais é o dinheiro. Falar de Deus do Amor num centro comercial, soa a uma maneira ingénua de pensar. O dinheiro é o deus que satisfaz todos os nossos desejos. Valorar é comparar valores. Tudo se mede em relação ao dinheiro, logo o valor supremo é o dinheiro. Mas, dirão alguns: “… não é verdade. Os valores de solidariedade, compaixão, amizade, entre outros de igual natureza, são de dignidade superior ao dinheiro…” Então, se assim é, façam o seguinte exercício de pensamento; suprimam o dinheiro das relações familiares, comerciais, sociais, incluindo as relações religiosas. Tudo se desboroa. É a criança que fica sem mesada, os adolescentes e adultos ficam sem telemóvel de última marca, a bicicleta a pedais terá de substituir o carro híbrido, os restaurantes terão de fechar portas, as igrejas ficarão privadas do contributo dos fiéis durante as missas e o padre não terá o envelope sobre a mesa aquando da visita pascal.

As pessoas são avaliadas pelo dinheiro que têm e pelos bens que ostentam.  Mas nem todos podemos ter muito dinheiro. É esta diferença que torna o dinheiro cruel. Uns sairão vencedores e outros serão esmagados porque o dinheiro tem um coração frio e duro; mostra-se insensível e raramente honesto quando os contratos não se cumprem. É um deus, por vezes austero, que está bem presente em todas as relações humanas. Por vezes, mesmo aquele que tem muito dinheiro não sabe se as honras que lhe prestam são devidas à sua pessoa ou ao dinheiro que tem. A maior parte das vezes é ao dinheiro. Não será?

A paixão pelo dinheiro suplanta as demais. As catorze paixões analisadas por Aristóteles aparecem reduzidas a três em Santo Agostinho: o poder, o gozo e a luxúria, que constituem a base de todas as outras. Segundo a ideologia patrística, o bom cristão é aquele que faz votos de humildade, pobreza e castidade, as quais se contrapõem às primeiras indicadas.  É caso para perguntar se haverá bons cristãos, tendo por base estas últimas qualidades. O padre da minha aldeia ostenta um poder que fundamenta no sagrado, é presidente em órgãos de decisão, faz-se transportar num bom veículo e ganha mais dinheiro que muitos que têm família para sustentar. Então como é?

A nossa dimensão cultural religiosa deve ser repensada e actualizada aos tempos actuais. E deve começar pelos próprios responsáveis da Igreja, que devem ter presente que a liberdade não tem só a dimensão política. A verdadeira liberdade é a liberdade interior, a de decisão individual na prossecução do Bem último, Aquele que tudo funda.

 

 

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