Era manhã. O tempo corria monótono, lento, à espera de se ouvir soar o sino da Igreja, da pequena aldeia do interior. Aos domingos é preciso ir à missa, que remédio! Não vais à missa? És jeová. Contrariar a tradição e a pressão do grupo não é coisa aceitável para aqueles anciãos e anciãs que transportam sinais duma labuta dura a que foram sujeitos.
Não tarda a que o recinto da Igreja receba os primeiros fiéis. Sentados ou encostados ao muro, sombrio, a pedra da zona, dum cinzento triste. Falam das fadigas e, por vezes, do alheio. Os que vão chegando, não têm remédio senão alinhar na conversa ou entrar na Igreja.
Como é hábito, ao padre dá-lhe várias vezes a veneta de chegar atrasado. Não há problema; é o senhor prior. O que importa é chegar. Entrar na Igreja, persignar, ajoelhar e rezar. Cumpre-se o ritual conforme os mandamentos da Santa Missa. Duas fiéis apressam-se a entrar na sacristia atrás do padre. Não se demoram muito. Uma magrinha, outra mais gordinha, ambas vestidas para regalos dos homens que não deixam de comentar a beleza dos vestidos. São elas que vão fazer as leituras do dia. Cumprindo a combinado, outras duas dão volta à assistência e recolhem uns “euritos” que os fiéis, devotamente, depositam num saco ou bandeja. Cumprido o ritual, saem da Igreja; sentem que os seus pecados foram perdoados. Que alívio! Pressente-se que dure pouco; logo recomeçam a meter a foice em seara alheia. É a vida!
Evocam o nome de Cristo e dizem-se cristãos. Ora, o verdadeiro cristão é aquele que é fiel à verdade; que segue, em atitudes e comportamentos, a ética de Jesus Cristo, independentemente do preço a pagar por isso. Amar Cristo em verdade e espírito deve ser a cruz do cristão autêntico, independentemente da maior ou menor profundeza significativa que estas duas palavras representem na mente de cada cristão. Sim! Tudo reside na mente e no coração dos crentes.
Corroboro o pensamento do filósofo Frédéric Lenoir; seguir a ética de alcance universal de Jesus Cristo é cultivar: “a não – violência; a igual dignidade de todos os seres humanos, a justiça e a partilha, o primado do indivíduo sobre o grupo e a importância da sua liberdade de escolha, a separação do político do religioso, o amor do próximo, indo até ao perdão e ao amor pelos inimigos.”
Desde 1984 que vou beber ao pensamento de filósofos, sociólogos, juristas, historiadores, teólogos, e até padres e santos da igreja, e concluo que a Igreja ignorou ou perverteu a mensagem revolucionária de Jesus Cristo. Foram os humanistas do Renascimento e os filósofos das Luzes, entre outros pensadores, que trouxeram à luz do dia muitos valores já defendidos por Jesus Cristo. Fazendo da liberdade de escolha um absoluto, Cristo foi revolucionário para a sua época. Por isso, fiel à sua mensagem, teve de morrer. Causava graves incómodos aos religiosos e políticos da sua época.
Tal como na época de Jesus, o poder, o gozo e a luxúria, apaixona qualquer um e atravessa todas as épocas. É certo que a Igreja condena-as. Santo Agostinha condenava a vaidade, o prazer e a acumulação de bens materiais. Mas, ao olharmos para a instituição eclesiástica, o que vemos?
Afinal, quem são e onde estão os cristãos?!