Com um intervalo de poucas semanas decorreram no Entroncamento dois importantes eventos com apresentações e debates sobre a realidade atual dos caminhos de ferro em Portugal, tendo em conta não só a nossa natureza mais intrínseca ligada à ferrovia, como também a sua articulação com a rede ferroviária da Europa, ou seja os problemas que se ligam com a nossa bitola ferroviária. Uma bitola, escolhida na meada do século XIX, para ser diferente da que então já se construía e praticava em França e noutros países para lá da França, e escolhida assim, porque ainda lambíamos então em Portugal as feridas causadas pelas três invasões francesas. E tudo, sobretudo o que dói e as grandes desgraças, como estas três foram, deixa sempre marcas, rasto e memórias. E, assim, não quisemos ficar com a mesma bitola que aquela por onde andavam os franceses por motivos evidentes, eram problemas de soberania, mas eram também memórias dolorosas do passado. E hoje, com a nossa bendita União Europeia (não é perfeita mas é muito benquista), em que as ligações entre os países trazem muito mais benefícios que ameaças, e pretendemos dar novo fôlego ao turismo e às nossas exportações (o turismo também é uma exportação), há que rever todo o problema das bitolas, e das conexões com Espanha e a Europa em matéria de Alta Velocidade. Não é caso de dizer que “torcemos a orelha e esta não deita sangue”, mas de preparar o futuro e investir…
Se no Seminário “Ferrovias”, que decorreu em meados de abril no Centro Cultural, houve temas de grande pertinência e atualidade a serem apresentados e debatidos por quem sabia da poda, e se pôde ter uma perspetiva global sobre as potencialidades e os pontos fortes e fracos da ferrovia portuguesa, o most foi, sem desapreço pelo “Ferrovias”, o Portugal Railway Summit, a cimeira máxima dos caminhos de ferro realizada no Museu Nacional Ferroviário (MNF) na semana passada. E a verdade é que, devo-o admitir sem algum preconceito, a majestade do espaço, a nossa catedral de ferro, de comboios e de memórias, também teve o seu contributo para a dignidade do grande evento dos caminhos de ferro, organizado pela Plataforma Ferroviária Portuguesa e com o importante apoio logístico da Câmara do Entroncamento e do próprio MNF, entre outras instituições.
E, entre as muitas e diversificadas intervenções, que de alguma maneira alumiaram um pouco o que será o horizonte futuro do caminho de ferro e das suas complexidades em Portugal, queria sublinhar três delas, que vieram justamente em defesa do papel do MNF como espaço natural para os futuros eventos da cimeira anual dos peritos ferroviários e de quem sobre a ferrovia rasga cenários e decide. Para além de propor a modernização da estação da CP da cidade, e a criação de uma futura ligação por ferrovia do Entroncamento a Leiria (passando por Fátima), o Presidente Jorge Faria quis e soube defender, e até com alguma imaginação improvisada, o nosso museu: “Este é o espaço natural para a realização deste evento”, observou. E pouco depois, e como havia ruídos de comboios e máquinas no exterior do museu a dar conta da sua presença, Jorge Faria não se incomodou e improvisou bem, notando que aquele ruído só acontecia ali precisamente porque ali era mesmo “o ambiente natural” para se falar de comboios, pois era por ali que eles andavam e se manifestavam.
Manuel de Novaes Cabral, o presidente do MNF, também quis acrescentar a sua própria disponibilidade à do autarca: “Durante 2023 o museu recebeu 40 mil visitantes, apesar das dificuldades em termos de recursos humanos e de financiamento. Temos oficinas a fechar, temos menos funcionários e temos cada vez mais trabalho. Este é o segundo ano consecutivo que recebemos o Portugal Railway Summit, e isto devia acontecer sempre, nós oferecemos o ambiente próprio, temos a História [da Ferrovia] de Portugal, e estamos no centro”, sublinhou Manuel Cabral. Esta centralidade nacional e a possibilidade de acesso ao MNF por comboio a todos os ilustres especialistas ferroviários, dando sequência lógica à defesa do transporte público e transporte ferroviário, foi também defendida por outros responsáveis como argumento pró- Museu Ferroviário para palco natural das futuras realizações do prestigiado Portugal Railway Summit.
De resto, a possibilidade real deste up grade do Museu Nacional Ferroviário do Entroncamento (e também up grade para o Portugal Railway Summit…) acaba por despertar uma outra. Temos um diamante de alto quilate na cidade, que é excelente para atrair visitantes, é para mostrar e exibir, sim, mas oferece igualmente um enorme potencial e possibilidades para se ir mais além. E é necessário avançar para estratégias, como a de criar comboios antigos a partir do Entroncamento e ao longo da belíssima Linha da Beira Baixa e ficar deslumbrado com o Rio Tejo. E muito mais haveria a dizer sobre esta matéria do diamante que ainda está por delapidar…
Se o MNF conta a história de mais de 160 anos dos comboios e da ferrovia em Portugal, era interessante que ele participasse e também protagonizasse o que o comboio traz para o futuro, e que é, como esta cimeira veio sugerir, bastante prometedor.