
Nos últimos dias voltaram a ouvir-se e a ler-se as notícias, em princípio sempre tristes, que dão conta do muito provável futura redução do número de deputados a eleger nos distritos da Guarda e de Viseu já nas próximas legislativas do final deste ano. Guarda deixará que os seus já exíguos quatro representantes se reduzam a três, e Viseu verá os seus eleitos minguarem de nove para oito. É uma redução de deputados que acompanha naturalmente a progressiva diminuição da população de ambos os distritos. E é uma diminuição de eleitores e de representantes políticos que acompanha a que noutras legislaturas atingiram sucessivamente, e como um fogo que arde e queima sem se deixar ver, os distritos de Bragança, Castelo Branco, Portalegre, Santarém, Évora ou Beja. São dezenas de molares de pessoas que o Interior do país perde anualmente. Mas este êxodo demográfico não é novo nem surpreende. Acompanha o encerramento galopante de escolas e jardins de infância, o fecho de serviços médicos, farmácias e extensões e centros de saúde, de tribunais e serviços judiciais, de serviços de correio e outras funções essenciais no que se considera ser a vida moderna. De todos estes fait-divers rurais tem resultado o correspondente acrescento ao número de deputados eleitos pelos distritos de Lisboa e do Porto, ou de mais um ou outro do litoral, os distritos de destino que acolhem o abandono das aldeias do Interior, epifenómeno iniciado ainda na década de 1960 e que também acompanhou o início da emigração para a Europa. Tudo como se o país estivesse montado sobre um plano inclinado que, como uma sina, o há de desequilibrar cada vez mais, perante o patrocínio compassivo de quem governa que, para lançar bruma para o caso vai entretendo o povo com truques baratos criando expetativas infundadas, comissões de “valorização do Interior”, nomeando comissários e vendendo ilusões como as de uma anunciada regionalização (para criar mais uma camada de ineficiências políticas para a casta intocável dos políticos) ao sabor das marés e do ioió eleitoral.
É claro que o fenómeno da desertificação, mais acentuado em Trás-os-Montes, nas Beiras, no Alentejo e no próprio Ribatejo, tem o nexo da imprecisão de onde moram as causas e os efeitos. As escolas, os serviços de saúde e os correios fecham por já não haver pessoas, ou é o contrário que explica o caso de povoações inteiras já pré-assombradas? Seja como for, o fenómeno é avassalador e, com o status político atual, possivelmente irreversível. O que é irónico e cínico neste contexto é que, com a atual lei eleitoral, não há forma de inverter e dar volta a esta situação. A razão é elementar. Os círculos eleitorais dos distritos do Interior vão ter cada vez menos representantes para defender os seus interesses já residuais. Cada vez com menos pessoas e menos eleitores, menos deputados haverá na Assembleia da República para defender os seus já raros interesses. O que têm como sina é a sua irrelevância e o alheamento manifesto dos governos que vivem de interesses e marcam a agenda de investimentos em função do número de votos que estes lhes podem garantir.
É, assim, natural que as regiões do Interior prossigam irreversivelmente a sua rota rumo à insignificância territorial, social e política. Em contraponto com este cenário deprimente, os círculos eleitorais de Lisboa e do Porto, com mais residentes e representantes no Parlamento, não deixarão de fazer prevalecer os seus direitos leoninos na repartição do bolo da distribuição de verbas, venham elas da União Europeia, do orçamento de Estado ou dos programas comunitários que, em teoria, deveriam servir para corrigir as assimetrias regionais do país, dando aonde fazem mais falta e contendo-se onde já não são tão precisas… O sistema de representatividade favorece assim, num perverso processo de retroação positiva, quem já está favorecido, e acentua (em vez de corrigir) a exaustão e o esgotamento dos territórios que de várias formas entraram na espiral depressiva, pouco mais lhes restando que servir para coutadas de caça, e depois vender as peles dos castores.
No limite cínico deste absurdo eleitoral, e por simples extrapolação, dentro de poucos anos o Interior já não terá sequer ninguém para contestar esta situação de iniquidade ofensiva da decência e um escárnio para a inteligência de quem ainda quer acreditar, mas já não sabe bem em quê.
A lei eleitoral e o sistema democrático português alimentam assim, por cegueira ou interesses inconfessos, e no que diz respeito à representatividade das diferentes regiões de Portugal, um perigoso e perverso monstro político que suga de onde já pouco há para abonar em regiões já naturalmente beneficiadas. É uma democracia que dentro da mesma casa é mãe e madrasta, e isso não merece predicados apreciativos.