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Conheci, em tempos, duas pessoas que seriam perfeitas uma para a outra. Não foi difícil perceber. Mesmo quando os observava distraidamente, a forma como se olhavam quando estavam no mesmo espaço puxava-me para a realidade deles. Sempre os vi a cumprimentarem-se apenas com um único abraço demorado, como se quisessem comunicar com o corpo aquilo que a boca segurava com força para calar. Era como se o mundo se dissolvesse e só restassem os dois. Era quase cruel de assistir. Porque eu sabia que, por mais óbvio que fosse o que sentiam, o que tinham construído até àquele momento não lhes permitia encaixar-se na mesma vida.

Como poderiam duas pessoas de mundos diferentes encaixar-se perfeitamente uma na outra? E como poderiam esses mundos colidir se se atrevessem a simplesmente ficar? Eu assistia, em tempo real, a dois grandes barcos ancorados em portos diferentes, separados por um oceano de escolhas que não podiam desfazer.

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Eu sei como se conheceram. Foi um mero acaso, como quase sempre acontece com as coisas que mudam tudo. Uma conversa que começou banal, cheia de histórias e experiências, mas que rapidamente se transformou em algo mais. Havia uma espécie de conexão ali, um reconhecimento silencioso, como se já se conhecessem há muito tempo, mesmo que os seus caminhos nunca tivessem cruzado antes.

Acho que é esta atmosfera que os livros tentam transmitir para provar que as almas gémeas existem.

Mas o tempo não estava do lado deles. Nem o tempo, nem as malditas circunstâncias. Ela sabia disso. Ele também. Mas isso não impediu que algo crescesse entre os dois, algo que nenhum deles sabia muito bem como nomear. Estava longe de ser uma relação, mas também não era só amizade. Era algo como uma promessa não dita, um “e se?” que pairava no ar sempre que estavam juntos.

Lembro-me de ouvir as histórias deles e de me perguntar como era possível algo tão certo acontecer na hora errada. Ele dizia que, se tivesse chance, gostaria de a beijar. Ela dizia que, se pudesse, congelaria o tempo para descobrir como seria viver aquela pessoa. Mas ambos sempre souberam que, para eles, nunca haveria essa simplicidade. Havia outras vidas que não podiam apagar.

E um dia, decidiram que o melhor era deixar as coisas como estavam. Não porque não queriam estar juntos, mas porque queriam preservar o que já tinham, mesmo que isso significasse abrir mão do que poderiam ser. Foi uma decisão corajosa, mas também devastadora.

No último encontro que tiveram, ela disse-lhe algo que ficou gravado em mim:
“Posso pedir-te uma coisa? Procura-me na próxima vida.”

Ele não respondeu. Apenas sorriu, com os olhos impressionados, como se aquele sorriso fosse a única forma de segurar tudo o que estava a desabar dentro dele.

E assim se despediram. Sem o beijo que nunca aconteceu, sem juras, mas com a promessa silenciosa que só eles entendiam. Sei que continuaram com as suas vidas, talvez ainda carreguem a sombra daquele “e se?”.

E eu? Nunca mais os vi juntos, mas gosto de acreditar que, de alguma forma, ainda se encontram. Talvez num sonho, talvez num pensamento fugaz, talvez na próxima vida.

E quem sabe, talvez o universo seja generoso o suficiente para lhes dar outra chance. Porque algumas almas estão destinadas a encontrar-se, mesmo que não seja nesta vida.

SANDRA MAY

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