Não há nada que aperte tanto o coração quanto o momento em que estamos prestes a fazer algo pela primeira vez. Sentimos o pulsar da ansiedade no peito e nem tentamos escondê-lo. A boca não consegue permanecer selada, porque o nariz não consegue inalar oxigénio suficiente para alimentar a adrenalina. E o estômago? Ele não dói, ele cola-se às costas, procurando espaço para carregar os gritos eufóricos que soltamos enquanto cerramos os punhos, como um lembrete de que, sim, estamos realmente ali.
Lembras-te da sensação? Daquela vibração de estar a fazer algo pela primeira vez?
Era tão bom, não era?
Parece que foi ontem que vivíamos um verdadeiro festival de primeiras vezes. O primeiro amigo que fizemos sem saber o seu nome, porque só o questionamos horas depois da brincadeira. O primeiro dia de escola, com os materiais novinhos em folha, cheirando a fim de verão, mas prontos, apesar do medo do desconhecido que nos esperava. E a primeira queda? Aquela que fez a dor no joelho parecer uma lembrança insignificante? O primeiro desgosto amoroso, que nos faz pedir que o chão se abra e nos engula, porque a ausência daquele amor nos destrói e juramos nunca mais nos apaixonar.
Tão amadores.
É engraçado como o tempo voa, num ciclo de repetições disfarçado de estabilidade. Crescemos em descobertas que aceleram o coração, mas, lentamente, algo muda. E não há aviso. Tornamo-nos adultos e passamos a evitar as novas primeiras vezes, como se fossem ciladas.
A vida adulta é o terreno das segundas-feiras repetidas, dos caminhos conhecidos e das rotinas ensaiadas. E ai de quem tente quebrar esse ciclo! Somos um conjunto de pequenos confortos que nos anestesiam, mas o grande perigo está em deixarmos de viver as primeiras vezes. Isso, sim, é um sintoma perigoso.
Pensa nisto: Há quanto tempo não te sentes um pouco perdido, um pouco louco, um pouco vulnerável? Há quanto tempo não fazes algo que te obriga a falhar, a aprender, a tentar de novo? Quando foi a última vez que fizeste algo pela primeira vez?
Com a idade, carregamos um peso invisível: o medo de parecer incompetentes. Quando éramos crianças, a incompetência fazia parte do processo. Aprender a andar significava cair, aprender a falar, errar as palavras, aprender a amar, levava-nos a sofrer desilusões. Mas, quando crescemos, e o ego se instala como um tirano, passamos a evitar situações que exponham a nossa falta de mestria.
Por isso, há tão poucos adultos que aprendem a nadar, que pegam no pincel para pintar ou que tentam aprender uma nova língua. Preferimos a segurança do que já sabemos fazer, mesmo que isso signifique abrir mão da emoção de descobrir algo novo.
E talvez a questão não seja apenas fazer algo novo, mas permitir-nos desaprender o que julgamos saber. Todos carregamos um manual invisível de regras que nos dizem quem somos e o que podemos fazer. “Eu não sou bom a desenhar”; “Nunca fui de dançar”; “Não tenho jeito para a tecnologia.”
E se, por um dia, ignorássemos essas “verdades absolutas”? E nos permitíssemos a ser principiantes outra vez?
Não te peço que mudes radicalmente a tua vida, mas lanço-te um desafio: escolhe, esta semana, fazer algo pela primeira vez. Pode ser algo pequeno, quase insignificante. Experimenta uma comida nova, escreve com a mão contrária, dorme do outro lado da cama, diz “sim” a algo que normalmente recusarias. E observa. Observa o que sentes. O que isso faz contigo.
E depois, faz mais uma coisa nova. E outra. E mais outra.
Talvez a verdadeira felicidade resida no constante recomeço. Talvez a verdadeira juventude não esteja na idade, mas na capacidade de continuar a surpreender-se com o mundo.
Porque a vida não se mede apenas pelos passos dados, mas pelas primeiras vezes que nos obrigam a dar o primeiro passo novamente.
SANDRA MAY
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