O que toleras que te rouba a paz?
Esta é, talvez, uma das perguntas mais difíceis que terás de responder com sinceridade e coragem. E tenho a sensação de que a resposta não se resume a um único fator, a um pequeno detalhe que podes ajustar de um dia para o outro. Provavelmente, é uma teia de situações, um nó apertado que parece impossível de desfazer. Ou, quem sabe, alguém. Alguém a quem abriste a porta com um sorriso, acolheste de coração aberto e que agora, se pudesses voltar atrás, terias ignorado o seu bater.
Suportas em silêncio o peso de um fardo invisível. Concedes, cedes, ajustas-te. Pequenas concessões diárias que parecem inofensivas, mas que, aos poucos, te desgastam. E aquela palavra que engoliste para evitar um conflito? O limite ultrapassado porque “não faz mal desta vez”? Um “sim” dito de forma automática, porque é mais fácil para os outros, mesmo quando tudo dentro de ti queria gritar um “não”?
Mas faz mal. Faz sempre mal. Porque cada vez que engoles um incómodo, algo dentro de ti se encolhe. O espaço da tua essência reduz-se para acomodar aquilo que não devia estar lá. Dia após dia.
Há uma estranha normalização do desconforto. Convencemo-nos de que é natural sentir exaustão, insatisfação, a sensação de estarmos em dívida para com o mundo. Aceitamos relações que nos esgotam, empregos que nos anulam, expectativas que nunca escolhemos. E chamamos a isso “a nossa vida”. Talvez já tenha abordado este tema demasiadas vezes nesta coluna semanal, mas acredito que algumas verdades precisam de ser repetidas até que finalmente as aceitemos.
Gostava que te perguntasses: “O que mais posso suportar?” ou, melhor ainda, “O que já não estou disposto a tolerar?”.
E foi aqui que um novo pensamento me ocorreu: talvez a paz não seja algo que se conquista, mas algo que se protege.
Um ato consciente de não permitir que o mundo nos roube a inteireza. Um compromisso diário de dizer a verdade, de escolher o que nutre em vez do que consome, de respeitar aquilo que sentimos, libertando-nos do medo de desagradar.
Afinal, quem somos nós sem a nossa paz? Apenas uma sombra do que poderíamos ser.
Então pergunto-te: o que estás a tolerar que te rouba a paz? E mais importante ainda: até quando?
SANDRA MAY
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