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De vez em quando, numa casa aqui da rua, há uma mão que cai por entre gritos e palavras feias. Ouço-lhe o som e a fúria, mas também o silêncio que deixa depois de cumprir o caos.

São noites de ficar doente pelos ouvidos, como se cada gemido fosse um eco de fumo negro que escapa através das frestas e avança pelas ruas, infetando as casas e todas as pessoas que, dentro das suas paredes, permanecem onde estão, fixas nos seus écrans, fracas como uma desistência.

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Alguém mais afoito vem à janela e grita que um dia apresenta queixa, que vai dar conta à polícia, um dia… mas depois, também essa, a mais afoita, lá se recolhe e encolhe, até que o sono assome como um remendo fino para os hematomas que não lhe pertencem. Se lhe couber o mínimo de apoquentação e conseguir adormecer, acredito que sonhe com jardins maltratados e lugares escuros de fim de amor.

A casa onde há uma mão que cai, por entre gritos e palavras feias, tem cortinas brancas atrás dos vidros e flores coloridas nos canteiros, daquelas que se fecham à noite, quando já não há mais luz para onde ir.

O monstro que lá vive é um arquiteto, um meia-leca cuja aparência serve de dissimulação para os demónios que o roem. Tem tão pouco de homem, que até parece errado dar-lhe um murro nas trombas. Ela… a que vive com o monstro, é um poema onde se percebe que voaram as palavras todas. De manhã, rega as flores e vai ao pão dentro de umas calças onde nem se distingue as suas formas de mulher. As vizinhas cochicham «coitadinha da Isilda…», por toda a parte «coitadinha da Isilda…», como se a mirrassem mais ainda, até ser buraco, que é para onde se vai no final.

Existem silêncios que são uma vergonha coletiva.

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