Há algo de brutalmente honesto no fracasso. Não estou a falar daquele fracasso que subitamente se transforma numa grandiosa vitória no último minuto, como nos filmes que nos fazem acreditar que basta “acreditar” para conseguir. Não. Falo do fracasso cru. O fracasso que não pede desculpas, que se instala e faz morada. Aquele que nos olha nos olhos e diz: “Não vais chegar lá. E tens o direito de não te sentir bem com isso.”
O fracasso real não tem uma banda sonora épica que encaixa melodicamente na nossa vida, exatamente naquele momento chave, só para causar impacto a quem assiste de perto. É o fracasso que acontece enquanto o mundo à nossa volta continua indiferente, sem abrandar. É o fracasso que nos visita demasiadas vezes, como uma nuvem pesada que nunca desaparece, que teima em colar no único pedaço de céu que paira sobre nós, mesmo quando todos os outros lugares parecem limpos para os outros.
E é desconfortável admitir: mas há quem lute uma vida inteira e não chegue lá. Pessoas que se esforçam, que acreditam, que dão tudo de si e, mesmo assim, não cruzam a linha. Porque a vida não é justa. Nunca foi. Porque o talento nem sempre é suficiente. Porque o esforço não garante nada. E porque, muitas vezes, o mundo celebra quem já tinha os meios para vencer, enquanto os outros ficam no silêncio de uma luta invisível.
Então, só me resta perguntar: o que sobra para quem não vence? Como se vive com a ideia de que talvez sejamos “aqueles”? Os que não serão lembrados, que não terão uma história inspiradora para contar, que passarão pela vida como notas de rodapé num livro que ninguém vai ler?
A resposta é tão simples quanto cruel: aprende-se a viver com isso. Aprende-se a carregar o peso do fracasso como se fosse uma segunda pele. Aprende-se a fazer as pazes com a ideia de que o valor de uma vida não está apenas nos aplausos, nos troféus ou no reconhecimento. Aprende-se, mas nunca se aceita totalmente. Porque, sejamos honestos, quem não quer vencer? Quem não quer, pelo menos uma vez, sentir que foi visto, que foi suficiente?
O problema é que ninguém nos prepara para falhar sem redenção. Vivemos num mundo que romantiza o fracasso como um trampolim para o sucesso. Mas e se não houver trampolim? E se tudo o que tivermos for o chão duro, onde caímos repetidamente, sem a promessa de um final feliz? Ninguém fala sobre isso. Sobre como dói continuar a tentar quando o coração já está exausto. Sobre como é cruel olhar para os lados e ver que o mundo continua a girar, enquanto nós ficamos parados no mesmo lugar, com vontade de girar com ele.
E talvez seja isso. Talvez o fracasso não tenha lições grandiosas para nos ensinar. Talvez não seja uma história de superação em construção, mas apenas o que é: fracasso. Uma parte inevitável da experiência humana. E talvez, no meio disso, exista algo de profundamente humano. Porque o fracasso obriga-nos a encarar quem somos quando tudo o que queremos escapa sem olhar para trás. Ele arranca-nos as máscaras e deixa-nos vulneráveis, despidos de pretensões.
Talvez o verdadeiro desafio não seja vencer, mas encontrar sentido na tentativa. Não transformar o fracasso numa vitória disfarçada, mas aceitá-lo como parte do caminho. Porque, no fundo, a vida é isso: um percurso sem garantias. E, às vezes, o maior ato de viver é reconhecer que não há mais nada a fazer, que o nosso “basta” também é uma forma de resistência.
E quem sabe, talvez, no silêncio de um caminho sem aplausos, exista algo de profundamente libertador. Mesmo que, um dia, decidamos parar. E, nesse momento, descobrimos que o fracasso não nos define, mas a maneira como o carregamos pode revelar quem realmente somos: alguém que não foi feito para vencer, mas para existir, com tudo o que isso implica.
SANDRA MAY
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