PUB

No Entroncamento ⎼ e apesar de umas eleições legislativas serem bastante distintas de um ato eleitoral para as autarquias ⎼ os resultados das eleições de maio não podem deixar de iluminar, com uma luz diferente naturalmente, as perspetivas sobre as próximas eleições para o município (e também para as freguesias). A verdade é que o cometa Chega, que varreu literalmente o país, para surpresa de muita gente, teve no Entroncamento efeitos ainda mais ampliados, vencendo não só no concelho como nas duas freguesias, e com resultados que impressionam. No conjunto do concelho votaram no partido de André Ventura 3 493 cidadãos, o que correspondeu a 31,8 por cento dos eleitores que foram a sufrágio, mais que os 26,9 por cento obtidos pela AD, e os 23,7 por cento, a performance obtida pelo PS. O caso merece uma reflexão profunda e, na minha opinião, este viés de perceção a favor do Chega no Entroncamento (em relação ao conjunto do país) merece também, ou devia merecer, uma atenção particular por parte dos candidatos dos três principais partidos da cidade para as eleições autárquicas que no início do outono, dentro de poucos meses, irão ocorrer.

A verdade é que, pela primeira vez desde abril de 1974, umas eleições autárquicas no Entroncamento deverão ser disputadas, em pé de uma considerável igualdade, por três forças políticas ⎼ nunca isso sucedera até hoje. Houve até mesmo, por diversas vezes, e a sério, um só partido que se apresentava e aprontava para as ganhar, tudo estando apenas dependente de se a maioria que obtivesse seria relativa ou absoluta, e neste caso, quantos vereadores iria eleger para distribuir os cargos do funcionalismo local. Sucedeu por diversas vezes com o saudoso Presidente José Pereira da Cunha, na década de 1990, numa altura em que o PS reinava no Entroncamento, então com uma matriz política e sociológica tão entranhadamente socialista que o então líder social-democrata, Porfírio Rodrigues, chegou a desabafar, face aos repetidos reveses do seu partido, (e cito-o naturalmente de memória) que na cidade, se pudessem, até as pedras da calçada votariam no PS (e em José Cunha). Cada eleição era então um plebiscito bissexto, um ato de revalidação e de confirmação do autarca-ferroviário. Já no início deste milénio, e fruto de divisões internas entre os socialistas (com José Cunha a apresentar-se então como candidato numa lista de independentes, e dividindo a base dos seus eleitores), seria o candidato do PPD/PSD, Jaime Ramos, a merecer a simpatia popular, e repetidamente o fez, até conquistar a maioria absoluta na Câmara em 2005 e 2009 (neste ano com 52,5 por cento dos votos) e chegar ao limite dos seus mandatos. Há doze anos, os socialistas, com o independente Jorge Faria como líder para a Câmara, recuperavam o cetro dos destinos autárquicos, e conseguiriam uma maioria absoluta, mas a verdade é que o PS apresenta-se agora já em razoável desgaste ⎼ e de novo criadas por divisões internas, já que Ilda Joaquim, a presidente que sucedeu a Jorge Faria (que se retirou há quatro meses), não conseguiu vencer as eleições internas e ser a candidata. O Chega tem pouco histórico na cidade, é verdade, mas em compensação parece ter o vento a favor. Eu não acredito que tenha havido uma viragem pura e dura para a extrema-direita de uma parte tão considerável da população local, as razões, na minha perspetiva não são assim tão superficiais.

PUB

Para as eleições deste outono quer os socialistas, quer o PPD/PSD, quer o Chega já têm os seus candidatos para presidente da Câmara, o que é sempre uma escolha determinante para os resultados. O PS escolheu Mário Balsa, professor de Português, ex-candidato à Assembleia da República e ex-chefe do gabinete de Jorge Faria, que pretende “corporizar o espírito transformador que a cidade precisa para devolver a esperança e tranquilidade que as pessoas merecem”. Rui Madeira, professor auxiliar na Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, é o candidato pelo PPD/PSD, perdeu as últimas autárquicas em 2021 por “um autocarro” de votos, menos 62 que o PS, é dos três candidatos o único com experiência no executivo autárquico e quer para o novo mandato “aumentar o nível de desenvolvimento do Entroncamento”. E quanto ao Chega, o seu candidato à Câmara será o sociólogo e gestor Nelson Cunha, teve uma experiência como emigrante na Alemanha e no Reino Unido, tem uma empresa unicórnio em Lisboa e já sublinhou que a cidade “precisa de recuperar os valores de cidadania, como o respeito pelo próximo, o civismo e a solidariedade”.

Um dos três será o próximo presidente do executivo da cidade ferroviária, julgo que nenhum terá os favores de correr na pista 1, por dentro, e tenho a convicção de que há uma faceta da cidade que vai, de uma forma mais declarada ou implícita, tomar conta dos debates deste ano, o que nunca ocorreu em 2021, nem antes, nem podia ocorrer. E esse aspeto está relacionado com a profunda mudança na estrutura social que tem ocorrido no Entroncamento, sobretudo nos últimos três anos, e fruto da abertura das fronteiras de Portugal a cidadãos estrangeiros, em particular do Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné, Ucrânia e Índia, entre outros, que trouxeram para a cidade pessoas de 53 países e a transformaram numa verdadeira “sociedade das nações”, já a ter as suas experiências singulares nas próprias escolas. A integração adequada (cultural, educacional, habitacional…) destes milhares de homens, mulheres e crianças é ou deve ser a pedra de toque – para além de outros aspetos mais habituais e comuns, como a economia, a segurança ou as escolas – a encarar pelos candidatos. O Entroncamento não estava (nem podia estar) preparado para este fenómeno. E, pessoalmente, não tenho grandes dúvidas de que no outono vencerá quem, sobre esta matéria tão fulcral, trouxer as propostas mais sensatas, equilibradas e exequíveis – as souber expor aos entroncamentenses e não se deixar ir atrás do alarido dos extremismos, que sempre criam mais muros e estão prontos a destruir pontes.

PUB