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As palavras não são todas iguais, conforme aprendemos desde cedo. Crescemos a ouvir dos nossos pais a famosa frase isso não se diz, a propósito de certas palavras consideradas feias, sejam elas o palavrão ou o insulto.

Porém, ao contrário da palavra insultuosa, que visa magoar o outro e que deve ser evitada, o palavrão pode ser tentador. Nomeadamente quando se chega aos anos transgressores da adolescência e se pretende desafiar os limites da linguagem autorizada como rito de passagem à idade adulta. E depois, temos de reconhecer, as chamadas asneiras também podem ser palavras consoladoras. Quem nunca as disse, numa ocasião de dor repentina ou de fúria, como forma de alívio imediato?

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Por outro lado, existem palavras que, sendo de todo inocentes, são realmente feias. Como sovaco, por exemplo. Quando alguém diz sovaco em vez de axila, apetece-me logo virar costas e deixar a pessoa a falar sozinha. Há quem à minha volta faça questão de dizer sovaco, para me enervar. E quem, a meio de uma conversa, me pergunte com um sorriso condescendente: espera aí, essa palavra que acabaste agora de dizer, inventaste-a, não foi? A resposta é sempre não, eu não invento palavras, só gosto de as usar, e ocasionalmente experimento uma mais extravagante, para ver como ela me soa; como se solta da boca e penetra no ar. Lembro-me da minha fase imbecil do inexoravelmente, em que, por volta dos meus vinte anos, eu encontrava maneira de incluir esse advérbio de modo em qualquer exame escrito que realizasse. Mas depois cansei-me, e a partir de determinada altura, sabe-se lá porquê, passei a relacionar essa palavra com a lava de um vulcão a avançar sobre uma cidade e ao seu rasto de destruição. Ainda hoje quando penso em inexorável penso em vulcões.

Realmente as palavras podem ser um vício, quase como o fumo. O viciado no tabaco pode fumar normalmente e limitar-se a expelir o fumo para diante, ou pode, em momentos de especial prazer, levantar o queixo e, com um movimento de mandíbula, projectar anéis de fumo para a atmosfera. Há fumar e fumar, e também falar e falar. Como deixei há muitos anos de fumar, reservo a minha volúpia para as palavras. Confesso que já me têm dito que às vezes falo demais, e que o silêncio pode ser de ouro, mas não estou muito convencida. Em casa, já aconteceu pedirem para eu me calar, só por um bocadinho. Estás a falar sem parar há tanto tempo, não queres fazer uma pausa para respirar? Quanto a vós, não sei, mas eu consigo respirar enquanto falo, graças a Deus, estaria em maus lençóis se não conseguisse.

De há uns anos para cá temos assistido a um policiamento da linguagem que parece que visa transformar-nos a todos num exércitozito de pessoas supostamente bem-falantes, harmonizadas no uso de uma linguagem padronizada, pobre e socialmente autorizada, o que representa uma infantilização inadmissível e que faz lembrar a tal frase disciplinadora que se atira às crianças, isso não se diz. E se é verdade que desde pequenos nos ensinam, e bem, que não se deve apontar o dedo ao outro e dizer por exemplo gordo, porque pode resultar ofensivo, coisa bem diferente é sermos quase proibidos de dizer gordo, ou de escrever gordo, ou mesmo de pensar gordo. Por este andar, qualquer dia vemo-nos também proibidos de ser gordos.

Este tipo de censura tem implicado, aliás, entre outras coisas, o reescrever de determinados livros infantis, com vista a limpar os textos de palavras agora tidas por perigosas, capazes de infectarem a mente das nossas crianças. A palavra gordo, que nos dias que correm parece ter virado maldita, está mesmo a ser erradicada dos pacotes de leite em Portugal.

Cá para mim, se é para censurar, sugiro que apontemos baterias ao sovaco, palavra que que, essa sim, deveria ser proscrita.

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