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Atirar “esqueletos” para o armário, à boa maneira de Maquiavel
A ainda recente atividade do atual executivo municipal tem ficado assinalada pela evidente aproximação do Chega ao PS. Uma atração que tem vindo num crescendo irresistível, levando a que saíssem finalmente do armário de braço dado.
Assumiram, na última reunião da Câmara, uma relação política à vista de todos. Livre, sim, mas criticável em termos de moralidade política, onde os fins justificam os meios. Um oportunismo, capaz de deixar o manhoso Maquiavel roído de rancorosa inveja visceral.
Seduzido pelo PS, o Chega decidiu render-se ao sistema. Deixou cair a bandeira do partido anti-sistema, mostrando ser um partido fofinho. Mais alinhados não poderiam estar. São unha com carne, andando de mãos dadas – como elos de uma mesma corrente. Os dois partidos chumbaram uma proposta do PSD, para realização de uma auditoria às contratações dos funcionários, efetuadas pela CME, nos últimos anos.
Após terem levantado graves insinuações às referidas contratações, decidiram opor-se à realização da auditoria, voltando a atirar os “esqueletos” para o armário.
É caso para perguntar: – afinal, quem tem medo das auditorias?
Da pedra lascada às messiânicas profecias do Bandarra, o sapateiro de Trancoso
Na campanha eleitoral, os virulentos candidatos do Chega, parecendo um género de primitivos Viriatos lusitanos, do tempo da pedra lascada, anunciavam a plenos pulmões as sebastiânicas profecias do Bandarra, o medieval sapateiro de Trancoso – um Nostradamus à portuguesa. Para quem os quisesse ouvir, falavam na necessidade de resgatar um país em estado de calamidade, como se o messiânico segredo, para curar a miserável visão de um Portugal condenado, fosse tão simples como utilizar um desfibrilhador automático externo, para Portugal cumprir o seu ideal de majestoso Quinto Império, milagrosamente ressuscitado, para os antigos “bons tempos”.
Pôr a boca no trombone e papaguear as lengalengas dos mantras da aflição
Com estardalhaço, os mesmos candidatos anunciavam, nas redes sociais, auditorias à CME, após tomarem posse. Em todas as direções da rosa-dos-ventos, afirmavam a intenção de desenterrar, das catacumbas dos arquivos camarários, os dossiês nublosos, a espiolhar à lupa, obtendo informação, para porem a boca no trombone.
Criaram nas pessoas a expetativa de que iriam tirar os “esqueletos” escondidos nos armários e fazer “miséria”, sem deixar um osso por roer, até ao tutano.
Este bombástico anúncio deve ter assustado muita gente, ao ponto de invocarem – do além – o beato São Jerónimo, para abrenunciar a situação, papagueando num ai-jesus as lengalengas dos mantras da aflição: – Lagarto, lagarto! Cruzes, canhoto! Vade-retro Satanás!
Seriam estes espanta-espíritos suficientemente poderosos, para esconjurar os diabólicos comportamentos? A expetativa ficou no ar. Mas as promessas eleitorais não são para esquecer, caso contrário temos mais um partido para desmerecer.
Agitar águas e armar ao pingarelho agradando ao “aventurado”, para inglês ver
Capitalizando o desencanto que galga, à rédea solta, nas instituições públicas, devido ao desconchavado aproveitamento da máquina do Estado (aparentemente cativada, à força toda, por alguns dos seus mais altos representantes – e não só), a vereação do Chega, pseudo-defensora da razão moral, pôs-se em bicos dos pés e apresentou uma proposta do arco da velha, para alterar a contratação dos funcionários, para a CME.
Armada ao pingarelho, agitou as águas, para fazer ondas e mostrar serviço ao seu “aventurado” chefe. Mas apenas para inglês ver, pois esta vereação tem o dom da ubiquidade. Isto é: consegue estar em todos os quadrantes políticos. Nuns dias está na pele alva e pura do Chega nacionalista e noutros veste, na desportiva e sem sinal de remorso, a desbotada camisola vermelha de um antiquado Socialismo sem fronteiras.
Com leveza e naturalidade, dá uma no cravo e outra na ferradura, mostrando como os extremos se tocam. Consolida assim a sua incongruente imagem de marca, como quem muda de camisa, para fazer “parure” com cada metade da sua cara e com a cara-metade da concelhia.
Afinal, qual é o verdadeiro Chega? O que marca presença nas reuniões do executivo? Ou o que aparece nos vídeos das redes sociais? Quem é este Chega?
Uma proposta em que todos levaram por tabela e comeram pela medida grossa
A proposta para alteração das contratações, fundamentava-se em insinuações de compadrio, colocando mal os funcionários e a própria CME (que levou por tabela), ficando mal na fotografia. Sem exceção, todos os participantes nas contratações comeram pela medida grossa. Menos o Chega porque nunca foi responsável de nada e, aparentemente, também não tem muita responsabilidade nas propostas e comportamentos evidenciados.
Silêncio sepulcral, mantendo o tabu antes da tempestade em copo de água
Perante estas insinuações, perguntou-se ao vereador do Chega se tinha conhecimento de casos suspeitos, porque era sua obrigação denunciá-los.
Aguardámos por uma resposta, mas, fazendo-se desentendido e perante um silêncio sepulcral, não respondeu, mostrando indiferença e mantendo o tabu. Ficou a nítida sensação de querer fazer uma tempestade num copo de água, lançando atoardas.
Voltando à vaca fria, com discurso “cozinhado” na loja do Mestre André
Após três quinze dias e depois de feito o trabalho de casa, lá nos respondeu, numa posterior reunião de Câmara. Voltámos à vaca fria, através de um discurso “cozinhado” – agora pelo dedo da manda-tudo local, dando sinais de ser a verdadeira alma-mater, do caciquismo concelhio, da loja do Mestre André.
Desta vez, o “fast food” de insinuações avulsas foi substituído pela “haut cuisine gourmet”, com um pitéu servido a frio, para difamar à queima roupa a honra de funcionários da CME, bem como de anteriores dirigentes, atiçando um forno já em brasa. Mais uma vez, assistimos à insinuação gratuita, incapaz de concretizar a suspeição criada, à boa maneira de um espalha-brasas.
Quem não deve não teme
Como quem não deve não teme, solicitámos uma auditoria à contratação de funcionários, nos últimos anos. Apesar de tudo, estávamos convictos de sermos acompanhados pela vereação do Chega. Teriam oportunidade de esclarecer as insinuações, levantadas, por si próprios, cumprindo ao mesmo tempo uma das suas promessas eleitorais sobre as auditorias.
Fugir da auditoria como o diabo foge da cruz, com abstrusa justificação
Tudo serviu para chumbar a nossa proposta: a dificuldade, o custo, a duração, a falta de funcionários, o trabalho a realizar, a falta de registos digitais, o número de contratações, a repercussão no funcionamento da CME, as datas de início e fim e, finalmente, a falta de clareza do objetivo da auditoria (???). Foram invocadas todas as desvantagens para não avançar com a auditoria.
Curiosamente, não foi indicada uma única vantagem, para fazer a auditoria. Escolheram-se abstrusas justificações acessórias e não as fundamentais, isto é: quando uma das razões válidas, para fazer a auditoria, seria apurar as insinuações levantadas pelo Chega, isso nem sequer foi abordado.
Assistiu-se a um momento “non-sense” de autêntico “folclore”, com ilusórios jogos semânticos, semelhantes a um elaborado exercício de interpretação das palavras, para desviar as atenções do essencial.
Discutiram-se banalidades, colocando o disfarce do diligente mangas-de-alpaca, para dar a ideia da existência de pretensos problemas na proposta, atirando areia para os olhos das pessoas e demonstrando que a votação contra a nossa proposta tinha algum eventual sentido.
PS e Chega pintaram a manta e fugiram da proposta de auditoria como o diabo foge da cruz. Estranho. Pergunta-se: – Afinal, de que tinham medo para não permitirem a realização da auditoria?
Virar o bico ao prego e atirar os esqueletos de volta para o armário
Na votação os eleitos destes partidos aliaram-se para chumbarem a auditoria às contratações, proposta pelo PSD, para nossa grande surpresa.
Até aqui o Chega tinha votado ao lado das propostas do PS, mas agora não só votou ao lado do PS, como votou contra uma proposta do PSD, embrenhando-se no sistema.
Com admiração para muitos, votou contra o esclarecimento de uma situação que entendeu denunciar em reunião da CME. Votou contra a sua própria iniciativa e contra as suas próprias convicções, virando o bico-ao-prego. Aparentemente, mostrou que não sabia ao que ia, logo desde a primeira reunião, onde apresentou a proposta.
É pena porque, ao fim e ao cabo, perdeu-se uma boa oportunidade para esclarecer, de uma vez por todas, as suspeições em redor das contratações públicas.
Perdeu-se uma oportunidade para tirar os esqueletos do armário e, em vez disso, fez-se precisamente o contrário, atirando-se os esqueletos de volta para o armário.
Lá vai a traquitana
E assim a traquitana lá vai, como uma caranguejola velha e amolgada, amparando o canastro com as muletas encontradas no sinuoso percurso, deixando pelo caminho o cada vez mais insuportável peso do lastro moral, dando evidentes e inequívocos sinais de esgotamento…





















