Após consultar os documentos disponíveis estou em crer que a realização da infra-estrutura do açude a jusante da Vila de Constância, terá inevitavelmente influência negativa no Concelho de Constância (riscos e vulnerabilidades, etc). Como? Nos domínios patrimonial, ambiental, económico e turístico, pelo menos.
O Estado central pode sempre argumentar-se com a tomada de opções/cenários mais viáveis dentro das variáveis científicas o que, sabemos, será sempre uma decisão política, sujeita ao escrutínio público.
O argumento é esbatido mas vale por si: a solidariedade entre o país e as «regiões» impõe uma certa mitigação e ponderação, séria, entre os interesses das regiões afectadas directamente por estes projectos e os interesses estratégicos do poder político central.
O novo açude, a ser construído na zona de Constância, consta do Estudo “Valorização dos Recursos Hídricos para a Agricultura no Vale do Tejo e Oeste”. Trata-se de um projecto desenvolvido pela Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), enquanto Autoridade Nacional do Regadio.
Não consegui vislumbrar nos desenhos do estudo final deste açude as «cotas» previstas para a actual denominada zona inundável da Vila de Constância sinalizada do PDM – Plano Director Municipal. E não fui só eu a não conseguir.
A minha preocupação é a de todos os constancienses, seguramente, porquanto já passámos por um debate semelhante com o famigerado projecto da «Barragem do Almourol», felizmente abandonado. Mais uma oportunidade de encher os bolsos a empresas projectistas, consórcios…
Existem no Núcleo histórico da nossa vila três imóveis classificados de interesse público, os quais se situam potencialmente na zona inundável: Casa dos arcos ou «Casa de Camões» (século XVI), Pelourinho (século XIX) e Igreja da Misericórdia (XVI), sendo que as ruínas do Palácio da torre, antigo castelo de Punhete ligado a uma das tradições seculares sobre o desterro de Camões, foram propostas para classificação de «interesse municipal», podendo o assunto vir a ser deliberado pelos órgãos autárquicos por iniciativa própria. Estas ruínas são anteriores à nacionalidade e de origem dita romana. Ali nasceu e cresceu o povoado. Ali estiveram vários reis com as suas Côrtes e, diz a tradição, Luís de Camões. Vão ser submersas e perder-se-ão seguramente dada a fragilidade da muralha existente, a carecer urgentemente de reforço. São mais de mil anos de história.
Aguarela de Casanova, de 1883, cenário premonitório de uma Vila, em época de cheia… Original de Vicente Themudo de Castro.
Cheias recorrentes contribuirão por certo para uma maior degradação destes monumentos representativos da identidade cultural e patrimonial de Constância, posição assumida pela comunidade intermunicipal que, aliás, venho seguindo de perto no essencial.
Ao nível do património construído destaque ainda para o POMPTEZE – Plano de ordenamento dos margens dos rios, um investimento que mereceu o prémio Nacional do ambiente. Exemplos de infra-estruturas que ficarão porventura parcialmente submersas perdendo a sua utilidade. Dinheiro deitado ao(s) rio(s)?…
A lista de prejuízos é grande: praia fluvial do «rio», trilho panorâmico, desporto náutico, sofrerão um impacto negativo para não falar do impacto ao nível da fauna (o açude criará obstáculos às espécies nativas, em especial aos peixes migratórios) facto já referenciado pelos autarcas dos dois municípios directamente afectados, Constância e Vila Nova da Barquinha, os quais também demonstraram publicamente preocupação com as alterações da qualidade da água.
Prevêem-se conflitos com a CAIMA, celulose, porque as actuais condições de operação da mesma poderão ficar comprometidas dado que os sistemas de origem do projecto do açude têm como origem de água captações da albufeira do próprio açude. Repare-se que a fábrica se situa a montante do açude. Têm razão os autarcas ao referirem estas questões porque em última análise haverá um impacto negativo ao nível da empresa com reflexos nos seus trabalhadores e na economia local – independentemente das críticas que se poderão fazer à CAIMA no âmbito da sua política ambiental ao longo de todos estes anos – outra questão.
Não menos preocupante é a futura situação do emissário de esgotos domésticos da vila, o qual atravessa o Tejo conduzindo os esgotos para a ETARI do Caima, situada na margem sul. Com alguma regularidade assistimos a roturas nos canos sendo de registar que o último investimento de reparação superou os 200 mil euros. Com a construção do açude, a haver roturas, será muito mais elevada a sua reparação dado o caudal permanente do Tejo. Nessa altura o rio não estará seco para permitir obras! E quem pagará essa factura? Existe ainda um cano/emissário de esgotos na infra-estrutura situada na confluência dos rios que é accionado em determinados circunstâncias de recurso – algumas de má memória – que ficará submerso com este novo projecto, passando a ser quase impossível «monitorizar» de forma independente esse cano poluidor…
Cenário de uma cheia em Constância. 1988 ou 1989. Foto do saudoso bairrista constanciense e coleccionador, José António Pereira, cujo original está na posse de Norberto Pereira, seu irmão.
Os argumentos expendidos no projecto do açude, seja no relatório preliminar ou no estúdio final, não justificam na opinião do exponente o impacto irreversível do açude no património construído ou ambiental. A perda da biodiversidade dos rios e do potencial de atracção que eles encerram não está justificada, nem é justificável.
Poderemos perguntar: quando acabarem os locais para os açudes e para as barragens, vamos para o nuclear?
Não seria mais eficiente avançar-se para mais programas de racionalização da energia produzida e adquirida?
Os argumentos apresentados pelo projecto não justificam a perda da biodiversidade dos rios e do potencial de atracção que elem encerram devido à beleza paisagística dos seus vales, outrora cantados pelo Vate, aspectos que já são hoje um investimento da parte das autoridades locais.
O cenário da construção da barragem do Alvito, no rio Ocresa, prevê a libertação de um caudal ecológico que iria contribuir para a regularização dos caudais no rio Tejo. Mas esse cenário parece ter sido preterido.
A CIMT-Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo em comunicado disse “ir solicitar esclarecimento da construção do Açude proposto, em detrimento das propostas anteriormente sinalizadas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) designadamente questionar do resultado de discussão pública inerente às “Soluções para o reforço da resiliência hídrica do Tejo” proposta em 2023 pela APA – Agência Portuguesa do Ambiente.
Curiosamente, apesar do período de consulta desta proposta anterior ter terminado em 23 de Abril de 2023, ainda não há documentos disponíveis de «encerramento» e de «acompanhamento», pode verificar-se no sítio «Participa».
No próximo dia 15 de Janeiro termina o período de discussão pública do açude. Não deixe para os outros a oportunidade que é sua, de contribuir para a defesa do nosso concelho.
José Luz (Constância)
PS – não uso o AOLP