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A pior prisão não tem grades. Tem aplausos.

Ninguém desconfia de quem está sempre bem. Ninguém questiona a alegria impecável, o discurso motivacional, a pose de quem segura tudo e todos, como se a vida fosse um daqueles pratos chineses em equilíbrio no topo de uma vara. Giram. Voam. Encantam. Mas não se pode parar nem por um segundo.

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Há uma violência silenciosa em ser a pessoa forte. A otimista. A que resolve, a que inspira, a que nunca quebra. Uma espécie de contrato invisível assinado com o mundo: eu fico bem, para que vocês não tenham de se preocupar. O sorriso é o símbolo que ninguém imagina que pode vir a desaparecer. E assim vamos vivendo dentro de uma armadura feita de sorrisos bonitos e frases feitas. “Vai correr tudo bem.”; “Só mais uma semana.”; “Eu aguento.” Mas a alma vai ficando por baixo, dobrada em quatro, como um papel de recado rabiscado e esquecido no bolso.

Hoje estou aqui para fazer uma afirmação que raramente vês: Estar sempre bem dá trabalho. Um trabalho que ninguém paga, ninguém reconhece e poucos agradecem. Porque se mostras dor, desiludes. Se mostras cansaço, assustas. Se mostras a mais pequena mudança, és fraco. É como se a tua força não pudesse ter rachaduras. Como se a tua existência só fosse válida se servisse de chão para os outros caminharem. E não é engraçado ao mesmo tempo? Não é engraçado deixares que isso aconteça? Mas deixas por mais que te custe. E continuarás a deixar porque já nem sabes muito bem como se diz “preciso”. Ou porque simplesmente aprendeste a oferecer antes que alguém peça e a calar antes que alguém repare.

Mas eu sei, assim como tu sentes: há dias em que a máscara escorrega. Nem que seja apenas por uns milímetros. Há dias em que o corpo acusa o peso do disfarce. Há outros em que olhas ao espelho e pensas: “quem é que cuida de mim quando eu não consigo cuidar de ninguém?”

E aí tens um pico, um “abre-olhos”: o maior burnout não nasce do excesso de tarefas. Nasce do excesso de contenção. De conter lágrimas, raivas, dúvidas. De conter verdades para não dececionar. De conter dores para não incomodar.

Isto não é um apelo dramático. É um recordar, um acordar(-te) terno: não tens de ser luz todos os dias. Há também beleza nas sombras que te tornam humana. Há coragem em dizer “hoje não”. E há um tipo de liberdade que só nasce quando te permites falhar… aos olhos dos outros, para seres fiel aos teus.

No fundo, o preço de estar sempre bem é alto demais quando te custa a ti.
Às vezes, estar sempre bem… é só mais uma forma de desaparecer devagar.

SANDRA MAY
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