“Vou ali à farmácia”. Uma frase simples, tantas vezes ouvida e que encerra em si mesma uma confiança e uma tradição enraizadas na comunidade, simbolizando a sua importância como espaço de cuidado e proximidade.
De facto, as mais de 2.900 farmácias comunitárias em Portugal estão distribuídas de modo a cobrir quase todos os municípios e freguesias, contribuindo para um acesso universal aos serviços de saúde – uma capilaridade que garante o acesso da população a medicamentos e a serviços de saúde. Essa rede é, muitas vezes, o único ponto de cuidados de saúde verdadeiramente acessível, sobretudo em zonas mais remotas. Uma dispersão que é crucial para a saúde pública, especialmente em campanhas de vacinação e ações de educação para a saúde, em que as farmácias atuam como pontos de acesso importantes.
Em Portugal, as primeiras boticas – estabelecimentos onde se manipulavam e dispensavam medicamentos – terão surgido no século XIII. Centenas de anos de tradição e uma proximidade mantida criaram a estrutura de uma relação de confiança entre as comunidades e a farmácia. Atualmente, a mercantilização das farmácias ameaça essa relação de confiança e compromete o seu papel social tradicional, uma vez que, no balcão de uma farmácia, as transações não são feitas em dinheiro: a moeda de troca é confiança. Uma confiança conquistada não apenas pela capacidade técnica e empatia dos farmacêuticos, como também pelo seu compromisso com a atualização contínua e uma comunicação eficaz no atendimento. Uma confiança que permite que seja ouvido um conselho adicional, reforçando a adesão à terapêutica, desfazendo dúvidas e mitos e garantindo, assim, uma utilização segura e racional do medicamento. Uma proximidade e confiança que trazem ganhos em saúde, melhoram o bem-estar dos utentes, reduzem visitas desnecessárias a outros serviços e economizam tempo.
Desde as boticas da Idade Média, as farmácias evoluíram para espaços de cuidado integral e constituíram-se como elementos essenciais no sistema de saúde, desempenhando um papel que vai muito para além da simples dispensa de medicamentos.
Hoje, as farmácias disponibilizam uma vasta gama de serviços – medição de pressão arterial, rastreios, vacinação, aconselhamento nutricional, dispensa de medicamentos hospitalares – que reforçam a relação de proximidade e confiança. Intervenções como estas têm impacto direto na saúde pública, ajudando na deteção precoce de problemas de saúde e na gestão de doenças crónicas, resultando em benefícios tanto
diretos quanto indiretos em saúde, aliviando a pressão e os custos do sistema de saúde.
Deseja-se um modelo que simultaneamente remunere devidamente as farmácias pelas suas intervenções na promoção da saúde e prevenção da doença e reconheça o mérito dos farmacêuticos no seu contributo para a saúde pública, criando condições para a sua contínua evolução e progressão profissionais.
Os desafios atuais enfrentados pelas farmácias são diversos e heterogéneos. A complexidade regulatória crescente, aliada às pressões por resultados financeiros e à concorrência com grandes cadeias de retalho, coloca em risco a sustentabilidade das farmácias, afetando a sua capacidade de investir na diferenciação, na qualificação e no garantir de excelência no atendimento.
Acredito que a ampliação da oferta de serviços de saúde, o investimento em inovação digital e a implementação de modelos de remuneração baseados em resultados serão essenciais para fortalecer o setor, mantendo as farmácias como espaços de proximidade, empatia e cuidado de qualidade, capazes de atender às necessidades de saúde da sociedade hoje e no futuro.
Dr. Telmo Silva, Farmacêutico Coordenador do grupo Da Terra e Especialista em Farmácia Comunitária
















