Guardo na memória a “atmosfera” vivida no castiço Lar do Caçador, mais conhecido pela crua, mas popular, designação de Cú da Mula. À época, era um café de culto, pela sua ímpar, mas fiel freguesia de caçadores e pescadores de água doce.

Depois do almoço, o café bebia-se ao balcão, em pé, entre dois dedos de conversa, sobre os cochichos com eco na vila. Também havia sussurros, à boca calada, da triste situação “daquele” País, apontando a responsabilidade aos culpados da ordem do costume – tanto de ontem, como de hoje: os políticos e a política.

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A verborreia da técnica e da tática do futebol era dominada com a mestria de fantasiosos bitaites tagarelas, por “magos” da bola que nunca pisaram um campo de futebol, exceto na zona do peão em redor do campo dos Ferroviários. O único desporto que se lhes conhecia era o “pontapé” na gramática, sempre que discorriam de palanque a suma sapiência do seu mágico patoá futebolístico.

Matado o bicho, matava-se o tempo, matando o vício até morrer o borralho da beata. Depois, expiando os maus humores de estimação, abalava-se na “palheta” para o ofício, à moda de um ala que se faz tarde, zurzindo desconchavos sobre a profissão que não dava descanso, nem saúde, só trabalho amiúde.

Mais ao final da tarde, o café transformava-se numa casa de pasto, dada aos comes e bebes, para quem queria petiscar e molhar o bico. Os clientes pousavam os assentos na esplanada exterior, ou na zona mais interior do estabelecimento, atravessando a porta dos fundos como se a “casa” fosse sua.

No convívio, baixava-se a “guarda”, num tu cá tu lá, e, para nivelar a conversa, entravam em cena as vernáculas calinadas lusitanas, elevando o baixo “latim” à condição das mais rasteiras palavras da poética de Bocage.

Neste estabelecimento, como noutros de caraterísticas semelhantes, as pessoas encontravam-se para descomprimir do trabalho e conviver de forma franca, mas salutar, procurando momentos de boa disposição, sem os filtros das exigentes e programadas vidas profissionais.

Alguns destes estabelecimentos ainda sobrevivem ao tempo e teimam em manter as portas abertas. Juntamente com tasquinhas, tascarias e petiscarias, de sabores mais recentes, são uma parte da nossa tradição gastronómica, mas, também, social e precisam de ser acarinhados por todos nós.

A criação de um roteiro, para percorrer “religiosamente” todas estas “capelinhas”, é uma necessidade, antes que alguns hábitos da nossa comunidade sejam substituídos pela dieta de massas, normalizada pelas comidas de “plástico”, típicas das cadeias de “fast-food”.

Se estivéssemos em Lisboa e no Bairro Alto seria chique, mas, como estamos cá pelo Entroncamento, estamos obrigados a tornar estas casas típicas novamente fenomenais.

Ao mesmo tempo que ajudamos o comércio local e criamos emprego, dinamizamos as tradições e os hábitos de vida social. Por isso aconselhamos que cada qual Viva o Entroncamento…

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