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Há um spot publicitário que há umas semanas andava por aí, a propósito da febre das compras de Natal, que é candidato ao prémio de anúncio mais tonto. O espaço para o assédio das grandes marcas, que nos querem vender tudo e mais alguma, está invariavelmente assegurado, e achamos normal que a publicidade tenha sempre prioridade, podendo irromper em qualquer lado e em qualquer altura, com o direito a vender a constituir-se quase como um direito fundamental. O que não deixa de ser estranho, tendo em conta que estamos cada vez mais pobres e com os ordenados mais pequenos.

Desde que as operadoras de telecomunicação passaram a impingir publicidade impossível de passar para a frente nas gravações automáticas, tem sido um bombardear de anúncios, não só no início dos programas, mas também quando, após premido o pause, se volta a carregar no play para retomar a visualização que se interrompeu por qualquer motivo. E são muitos e variados os motivos para as pequenas interrupções. Comigo, ele é alguém que telefona, ou o bip de uma notificação, é um filho que entra, outro que sai, mais um saltinho à cozinha, outro à casa de banho, a seguir é um gato com fome, ou dois gatos com fome, enfim, às vezes faço mais quilómetros dentro de casa do que na rua. Mas para além das minhas próprias razões para as interrupções, para cúmulo, agora os programas interrompem-se sozinhos, e frequentemente mais do que uma vez, para me forçar a engolir mais uns quantos anúncios.

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Em particular, recentemente, passou muitas vezes um anúncio da Women’secret, um franchising espanhol de roupa interior, de dormir e de acessórios para mulher, que coloca, a propósito do Natal, quatro jovens mulheres a festejar a quadra dançaricando, primeiro em pijama e depois em lingerie. Ora, eu pergunto que público pretende a marca alcançar com este anúncio? As mulheres? Ou os homens? Porque estou certa que muitos não achariam mal um grupo de mulheres festejar o Natal dançando em cuecas e sutiãs de rendas. Mas convenhamos que à generalidade das mulheres o anúncio não se destina, decerto, pois ficamos com a sensação que a publicidade se dirige, quando muito, não a mulheres, mas a miúdas.

De tantas vezes ter visto o bendito anúncio, dei por mim a pensar que serão elas, as miúdas, que enfrentarão os maiores desafios, ao tornarem-se mulheres num mundo em que ressurge em todo o seu esplendor a masculinidade dita tóxica, que traz de novo para a esfera pública o macho alfa, isto é o homem feio porco e mau. O que leva a que regresse, paralelamente, em alguns quadrantes a intenção de modelar o comportamento feminino por padrões que procuram ir de encontro às preferências desse macho primitivo, sabendo-se, claro, que os machos o que querem não são mulheres, mas fêmeas.

Afinal o que tem tudo isto a ver com o Natal, seja o consumismo ou o sexismo bacoco? Nada. São tudo coisas que não interessam nem ao menino Jesus. Mas uma coisa é que nos tentem vender o azeite e o bacalhau (caríssimo, este ano) em anúncios que exibem famílias perfeitas reunidas à mesa da consoada, outra bem diferente é que nos tentem vender este mundo e o outro, e a toda a hora; trapos, perfumes, bugigangas, equipamentos electrónicos, viagens, unicórnios, o Big Foot… Espero que não nos tentem vender em breve também o retorno da mulher tradicional, dependente do ordenado do marido e adorável na sua vulnerabilidade doméstica, tão naturalmente feminina.

Pior ainda do que acreditar no homem forte e na mulher fraca, em vez de juntar os dois adjectivos aos dois sexos, é acreditar na falácia que seremos tanto mais amados ou apreciados quanto mais prendas recebermos e dermos, com os homens e as mulheres de hoje a virarem cada vez mais consumidores amestrados, e a sentirem-se obrigados a gastarem o couro e o cabelo para presentearem familiares e amigos. E logo na data em que se celebra o nascimento daquele que veio ao mundo justamente para ensinar o amor. O amor, que não tem preço nem se vende.

Que tal oferecer, no Natal ou noutra ocasião qualquer, um livro? Até porque do meio dos livros não saltam anúncios publicitários, por mais vezes que interrompamos a leitura, por exemplo para meditar no sentido surpreendente de uma certa frase que acabamos de ler. E a propósitos de sentidos surpreendentes, sugiro Nova Cartas Portuguesas, de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta, sendo que esta última Maria foi no início deste mês considerada pela BBC uma das feministas mais proeminentes de Portugal, incluindo-a na lista das cem mulheres mais influentes e inspiradoras de todo o mundo. Que grande orgulho para este nosso pequeno Portugal.

Com lingerie rendada ou não, desejo a todos um feliz Natal.

Evelina Gaspar, Escritora

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