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João Bianchi Villar joao.bianchi.villar@entroncamentoonline.pt
“VLADIMIR. – Diga-o, embora não seja verdade.
ESTRAGON. – O que tenho que dizer?
VLADIMIR. – Diga: estou contente.
ESTRAGON. – Estou contente.
VLADIMIR. – Eu também .
ESTRAGON. – Eu também .
VLADIMIR. – Estamos contentes.
ESTRAGON – Estamos contentes (Silêncio.) E o que faremos agora que estamos contentes?
VLADIMIR. – Esperamos por Godot.
(Silêncio.)”

Alegam os mais recentes estudos que, como qualquer vulgar piolho, o Coronovírus parece responder à Ivermectina. Excelente. Aquele medicamento que temos utilizando com tanto sucesso, externamente, para matar o que nos vai por cima do cérebro servirá, agora, internamente, para ajudar a debelar uma epidemia que se aloja no próprio cérebro. Que se instala no cérebro, formado pela actividade pensante e pelas células, entenda-se, em sentido irónico.

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Noutra abordagem, cientistas revelam que uma vacina centenária, criada a partir de um bacilo da tuberculose bovina também revela eficácia no combate coronástico. Muito bom. Os pulmões, motor do altifalante que faz chegar os nossos pensamentos verbalizados aos ouvidos dos outros, também conhece a esperança de uma solução que lhe permite a desempenhar a nobre missão de podermos continuar a dizer, vivinhos da Silva, quase tudo que queremos e o que não queremos. O coração, vizinho que é de todos os pensamentos contidos ou oralizados, agradece a possibilidade.

Finalmente, para que se cumpra o desígnio dos antigos (coração, cabeça e estômago) aguardo, em jubilosa esperança que um qualquer Omeprazole, também utilizado para as nossas úlceras gástricas, possa também dizimar o COVID-19 como se fosse uma Helicobactéria qualquer. Alvissaras, Senhor, se assim for!

Recordemos que, qualquer homem que se preze, para além de ter um filho, escrever um livro e plantar e uma árvore, deseja ter o Logos (cabeça) de um pensador holístico e irrequieto; o Ethos (coração) de um homem Livre e de Bons Costumes; e o Aisthésis (estômago) de um homem que apreciou o que é belo, durante esta nossa curta passagem pela Terra. Já assim o tinha lembrado num outro texto qualquer.

Um dia, um célebre produtor cinematográfico (Alan Schneider) questionou Samuel Beckett «Mas, afinal, quem é Godot?», ao que o dramaturgo lhe respondeu «Se eu o soubesse, tê-lo-ia dito na minha peça». Tal como para Vladimir e Estragon, Godot torna-se uma espera, sentada, para não cansar, em cenário apocalíptico, enquanto se aguarda não se sabe exatamente quem (ou o quê, se preferirem) mas que é – afinal – a mola vital de todas as esperas, de toda a paciência, de toda a vontade de acreditar que há algo muito importante para ser conhecido e que nos espera mesmo ali à frente. Quem seriamos nós se não pensássemos assim?

Retomando a ideia anterior, na Paidéia grega «o processo de educação na sua forma verdadeira, a forma natural e genuinamente humana» (Jaeger), pretendia que «o estado de um espírito plenamente desenvolvido, tendo desabrochado todas as suas virtualidades, o do homem tornado verdadeiramente homem» (Marrou), viesse a produzir um cidadão “Belo e Bom” (no grego, Kalos agathos). Ou seja, seres humanos que aos padrões da Ética (do grego ethos, que significa modo de ser, carácter, comportamento) se guiassem Lógica (do grego clássico logos, que significa palavra, pensamento, ideia, argumento, relato, razão lógica ou princípio lógico), sempre numa dimensão Estética (do grego aisthésis: percepção, sensação).

Hoje em dia, tenho para mim que o ideal de cidadão “Belo e Bom” é aquele que pudesse sair deste cárcere privado em que se tornou o seu domicílio e pudesse ir beber um café descansado ao café da esquina. A minha Ética comportar-se-ia lindamente à beira de um pedacinho de mar com os pés sujos de areia; a minha Lógica rir-se-ia alegremente com os meus amigos numa das muitas conversas inacabadas em volta da cervejinha gelada; a minha estética, enfim, gostaria de tornar a contemplar o aspecto tentador de um bacalhau com batatas a murro, ali mesmo no restaurante do Perninha (passo a publicidade). E será que não gostaríamos todos?

«ESTRAGON. – Desde o momento em que se está prevenido…

VLADIMIR. – Pode-se esperar.

ESTRAGON. – Já sabemos a que nos atender.

VLADIMIR. – Não há por que se inquietar.

ESTRAGON. – Não há mais que esperar.

VLADIMIR. – Estamos acostumados. (Recolhe seu chapéu, olha em seu interior, sacode-o e põe.)»

E, enquanto esperamos, Go(r)dot, que não Godot, vai fazendo das suas pois, no meu caso, já são mais dois quilitos na balança. Essa é que é essa!

João Gonçalo de Bianchi Villar (Pós-graduado em Proteção Civil Municipal)

Voluntário efectivo do Projecto “Oficiais Solidários” da AOFA para o Entroncamento e concelhos limítrofes (consulte-nos em http://aofa.pt/chefias-militares-disponibilidade-de-apresentacao-de-oficiais-na-reforma-nas-unidades-2/)

(O autor não escreve conforme o novo (des)acordo ortográfico).

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