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Assinalou-se no dia 25 de novembro, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres — e dificilmente poderia escolher melhor ocasião para vos escrever sobre a peça À Primeira Vista (Prima Facie), encenada por Tiago Guedes e magistralmente interpretada por Margarida Vila Nova. Trata-se de um poderoso monólogo contemporâneo de Suzie Miller, reconhecido internacionalmente pelo rigor com que disseca poder, consentimento e os labirintos do sistema judicial

O público é conduzido para dentro de um tribunal — cenário onde vive Teresa Correia, advogada brilhante que ascendeu a pulso num mundo competitivo, movida por trabalho árduo, inteligência e uma objetividade quase cortante

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Acompanhamos o seu percurso desde a faculdade até a um conceituado escritório de advogados, onde se destaca como advogada de defesa implacável. No estrado, Teresa acredita profundamente no direito universal à defesa e na capacidade de um advogado construir a melhor versão possível da narrativa do seu cliente — mesmo quando essa narrativa expõe a intimidade e fragilidade de outras mulheres

Tudo muda quando um episódio inesperado a confronta com a realidade brutal da agressão sexual. O que antes era teoria jurídica transforma-se numa experiência devastadora: Teresa vê ruir as certezas que sustentavam a sua carreira e encontra-se, de súbito, do lado das vítimas que tantas vezes interrogou sem concessões. A partir daqui o texto torna-se ainda mais contundente, iluminando o silêncio que tantas mulheres carregam dentro de casa, independentemente da classe social, da cor ou do contexto profissional. Expõe também um sistema judicial que frequentemente as desmotiva, as expõe e as deixa sem verdadeiro amparo. “Uma em cada três mulheres já foi vítima de violência”, recorda a protagonista — uma estatística que ecoa como murro no estômago. Frase repetida “olhem para o lado, à vossa direita, à vossa esquerda, um de nós pode ser essa pessoa”.

Margarida Vila Nova oferece uma interpretação arrebatadora. Num cenário minimalista, com corpo franzino mas presença imensa, enche o palco de intensidade. A cadência, o domínio físico e emocional e a entrega total ao texto tornam este monólogo um momento raro de potência teatral. É, muito provavelmente, um dos papéis da sua vida.

À Primeira Vista está em cena no Teatro Maria Matos, às segundas e terças-feiras, até 9 de dezembro. Uma peça necessária, dura e brilhante — e, acima de tudo, impossível de ignorar.

Patrícia Bica

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