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Manuel Fernandes Vicente manuelvicente@entroncamentoonline.pt

É um menino diferente. E não é só porque aprendeu há já muito o valor de dar. E a felicidade que dá dar. Se não vai à loja todos os dias, poucos serão os que não vai lá, ou espreita à porta. Vai à loja para receber. Mas é para oferecer o que recolhe. O muito prazer que tem no receber, está no muitíssimo que lhe vem do dar que vem logo a seguir. Tem o menino (que o é há bastantes anos, e não perdeu a inocência que os outros perderam quando se tornaram homens) uma amiga especial. Especialmente porque precisa dele (e de outros que queiram ser também diferentes). Tem essa menina vida, emoções nos olhos tristes, uma paralisia e a pouca saúde, que lhe foi madrasta. Sofre na sua fragilidade exposta e exige muita atenção e mil cuidados.

São os remédios, os tratamentos rigorosos e equipamentos sofisticados, são caros e estão fora da capacidade financeira dos pais. Como estariam de muitos nós. Tanto, que nem com o brilhar húmido dos seus olhos a petiza os pode pagar. Quando o menino soube, sentiu que queria e devia ajudar. Da forma que podia. Que podia não ser extraordinária, mas era a sua forma de apoiar. Podia não ser fantástica, mas tinha alma. E sentimentos. Lembrou-se das tampinhas de plástico das garrafas. Seria possível que com simples tampas de plástico, das que abrem e fecham garrafas, abrir soluções e fechar os problemas da pequena de Vila Nova da Barquinha? Uma tampa, sobretudo de plástico, pouco ou nada valeria. Mas cada tampa, entre muitas, já seria valiosa. Seria com elas, com muitas e muitas, que iria contribuir para auxiliar a sua amiga. Cada uma seria uma ajuda pequena, mas, sendo em grande número as tampinhas, conseguiria uma achega maior para tornar menor o padecer da garota.

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Na Casa Carloto inspiraram-no e deram-lhe auxílio. E as pessoas, clientes, amigos ou amigos dos clientes, familiares ou simples conhecidos associaram-se ao projeto iniciado no génio da inocência. Pela sua ideia, o difícil começou a tornar-se fácil. Também tem ajudas. E muitas, as pessoas gostavam de ver sorrir o menino que sorria por saber que ia fazer sorrir uma amiga que tanto precisava. Inexcedível na sua simpatia natural, a Fernanda Moleirinho, da Casa Carloto, pôde dar amplitude ao movimento. E os clientes foram aderindo à causa, juntando as tampinhas, que se juntaram às caminhadas solidárias. E aos espetáculos solidários. Sentiram-se a fazer parte de algo muito maior.

Até noivos da Moita do Norte substituíram as habituais prendas aos convivas da boda por um donativo equivalente, cerca de 500 euros, que tiveram o mesmo destino. E todos os participantes na cerimónia se prezaram. As tampas criaram um efeito dominó sem fim. Cada cliente, no seio do seu grupo familiar ou social, encontra sempre mais alguém. Que também organizará caminhadas, organiza magustos ou simplesmente traga sacos ou garrafões cheios do altruísmo plástico das tampinhas. Uma funcionária num bar/cantina de Coimbra, que soube por uma jovem do Entroncamento deste movimento, em poucas semanas juntou quatro garrafões. E depois mais três. Do Sardoal chegam também, de uma família local, as coloridas coberturas plásticas, em sacas transparentes que mais parecem arco-íris em movimento. De algumas escolas do Entroncamento, também seguiram outros arco-íris para fazer sorrir. A todos, porque a generosidade também vicia. E contagia.

“Quando ele chega à porta e vê que há tampas para levar fica muito feliz, até os olhos lhe brilham de contentamento. Quando não há, vai triste, assim não poderá ajudar a sua amiga”, diz Fernanda Moleirinho, privilegiada testemunha desta história de dar e oferecer, sem interesses, nem reciprocidades, nem agenda. As tampas são depois levadas pelo menino até uma das juntas da cidade. Que as há de encaminhar para o seu destino de reciclagem, transferindo o pecúlio correspondente rumo ao seu desígnio tão humano. O rumo de quem sabe agradecer. E para que um menino (que já o é há muito tempo) se possa contentar de uma alegria tão genuína e tão esquecida. Que não se canse, neste Natal e nos outros que os anos têm sem darmos por isso…

 

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