Morreu ontem (15-5) ao final do dia, vítima de um problema pulmonar que se agravou nas últimas horas, o antigo Presidente da Câmara Municipal do Entroncamento, José Pereira da Cunha. Foi a última das suas batalhas, ele que sempre foi um lutador pelas suas causas, fosse na sua vida como servente de pedreiro, na serração dos Parrachos, como técnico de eletricidade e equipamentos eletrónicos ou ferroviário, fosse ainda como autarca que marcou a cidade. Tinha 92 anos. O funeral será amanhã, sexta-feira, às 11h 30, seguindo o seu corpo diretamente do Hospital de Torres Novas para o crematório do Entroncamento.
Estimado e respeitado por todos os que o conheciam − e era bastante popular na cidade −, e com todas as suas virtudes e defeitos, mas com um saldo que lhe era amplamente favorável, José Cunha mostrou sempre estar, quer como pessoa, quer como autarca, ao lado dos mais necessitados e de quem precisava de uma ajuda. E tinha uma paixão iniludível pelo Entrocamento, terra que o viu nascer, onde cresceu com dificuldades e sacrifícios, e pela qual, quando e enquanto pôde, quis abnegadamente lutar pelo seu desenvolvimento. “Era um homem de valores, trazia sempre o Entroncamento no coração, e lutou pelo bem e pelo progresso da cidade”, diz o seu irmão, Henrique Cunha, e quem o conhecia, não retiraria uma palavra a esta observação. Henrique Cunha, todavia, não deixa de referir que quer o falecimento do filho, há sete anos, quer o da esposa, mais recentemente, abalaram profundamente a saúde e mesmo o ânimo do ex-autarca. “Ultimamente o meu irmão já desabafava comigo dizendo que a vida, para ele, ficara sem sentido, os últimos anos foram tristes. Julgo que agora se cumpriu um desejo seu, e o seu desaparecimento físico terá sido também, de algum modo, uma libertação”, nota, ainda emocionado, Henrique Cunha.
O Presidente José Cunha, 16 anos chefe do executivo municipal pelo Partido Socialista e, antes disso, também verador e membro da Assembleia Municipal do Entroncamento, deixou obra como autarca. Julgo não estar a ser injusto com ninguém, se referir nesta crónica, que é também a de uma despedida (e de gratidão pelas muitas horas e simpatia e disponibilidade que dele sempre obtive como jornalista, mesmo quando os assuntos não lhe eram particularmente favoráveis), que é sobretudo a ele e à sua persistência e tenacidade que o Entroncamento tem hoje o Museu Nacional Ferroviário, sendo que este é, em
termos de Património, a nossa maior jóia. Sem José Cunha, tenho a convicção de que não haveria Museu Nacional Ferroviário. Ou, havendo-o, ele não moraria no Entroncamento… Mas não foi só o museu. Com José Cunha, o Entroncamento deixou de ser uma vila e tornou-se cidade, não só formalmente, com a criação da cidade em 1991, mas de facto, com crescimento e desenvolvimento da urbe, a que se poderia acrescentar, numa rápida alusão, o início da criação do que é hoje o Complexo do Bonito, incluindo o parque verde, as piscinas e o pavilhão, a recuperação do Centro Cultural, a compra do Cineteatro São João ou a construção da passagem inferior sob os caminhos de ferro, entre outras obras e iniciativas.
Homem pragmático e de consensos, sempre capaz de manifestar apreço e o muito respeito que tinha mesmo pelos seus maiores adversários políticos, materialmente desprendido e sensível, amigo do seu amigo, e incapaz de ver um cão vadio na rua sem que o acolhesse e alimentasse em sua casa, José Cunha deixa sobretudo a imagem de um homem sério, com honra, e cordial, uma locomotiva de energia que dirigiu o Entroncamento, uma cidade que, se não quer ser injusta, lhe deve estar muito grata. Era um Senhor. Descanse em paz, amigo José Cunha
Manuel Fernandes Vicente