PUB

O caminheiro Pedro Pimenta propôs-se percorrer a costa portuguesa a pé num total de 1200 km. Saiu no dia 26 de janeiro de Monção e pretende chegar a Vila Real de Stº António no dia 24 de fevereiro de 2020.

As etapas realizam-se aos fins-de-semana e neste momento o Pedro Pimenta chegou a Sesimbra.

PUB

O Pedro Pimenta fez o balanço até ao momento, em entrevista ao EOL e publicamos também o seu diário de prova.


Este é o relato da sexta etapa, entre Ribamar (Lourinhã) e Cascais, realizada entre os dias 8 e 10 de junho.

Sexta, 7 de junho: reconhecimento

Já a meio da tarde, depois do trabalho, apanho em Sete Rios o expresso para a Lourinhã. Por ser sexta-feira, a estação de embarque está apenhada de gente. Entrada na zona Oeste. Estradas mais acidentadas, povoações mais pequenas. Um táxi leva-me até Ribamar, especificamente até à Praia Porto do Dinheiro. Já tinha reservado o quarto num estabelecimento mesmo frente à praia. O dono fala-me de ideias para tornar aquele lugar mais turístico. Quer deixá-lo como herança ao filho. Dou uma volta para fazer um ligeiro reconhecimento, a pensar no dia seguinte. As marés estão a levar a areia da praia e uma retroescavadora de lagartas tenta minimizar o efeito, um trabalho de paciência. Janto por ali e volto para o quarto. Deixo-me ficar algum tempo a apreciar a paisagem. Sentado na cama, vejo o mar pela janela, da rebentação à linha de horizonte. Magnífico. O vento assobia pelas frinchas da janela, a Natureza a cantar no seu melhor. Deito-me cedo. Amanhã o caminho promete, ainda por cima com caminheiros a fazerem-me companhia.

Despesas: Expresso – €8,9; Táxi – €7,5€; Jantar – €8; Dormida – €35 

Etapa 6a

sábado, 8 de junho: Ribamar-Ericeira, 40 kms

Algum vento e temperatura amena para junho. Tudo indica que vou ter companhia. A primeira a chegar é Graça Fernandes, que vai ter comigo ao estacionamento da Praia do Porto do Dinheiro. É sempre com grande satisfação que recebo as pessoas que vêm caminhar comigo, o dia fica mais doce. Depois das apresentações, aparece com o António Carvalho o Deonel, a Hortense, a Ana e o Paulo.

Iniciamos com uma boa subida que nos coloca no trilho. O Oeste tem umas escarpas espetaculares, os caminhos é que muitas vezes não têm saída ou exigem grande técnica. Impossível de mochila. Passamos por belíssimas praias, muito limpas e agradáveis. Como vamos muito cedo, o café tarda. Grande trabalho que Torres Vedras está a fazer ao longo das praias do seu conselho, nota-se a diferença. O Deonel, um caminheiro habituado a estes caminhos, ajuda a percorrermos alguns trilhos conhecidos. Não falta uma mini festa pelo aniversário da Hortense: um café, um pastel de feijão e um brinde. Todos vão a bom ritmo. Como vou mais pesado, fico um pouco para trás.

O relevo é bastante acidentado. Muitas subidas curtas, a fazer moça ao nível muscular. A Hortense mostra interesse em fazer comigo a Rota Vicentina. O Carvalho segue na sua passada certa. Em algumas situações, temos que improvisar passagens e atalhar caminho. Há zonas tapadas por canas, intransponíveis. Quando voltamos às praias, as falásias erguem-se numa rara beleza, vistas de baixo. Muita gente pensa só na temperatura da água e não admira a envolvente.

A Graça, sempre muito alegre e com excelente andamento, está a adorar. Um carrocel em sobe e desce, sempre a puxar mais um pouco por nós. Comemos qualquer coisa em Santa Cruz e seguimos sempre com o azul do mar e do céu como fundo. Eu vou dando alguns sinais de fragilidade. Tenho de ingerir alguns nutrientes para continuar. Paramos em S. Lourenço, para descansar um pouco. A palavra de ordem é comer e beber. Depois de um merecido descanso, aproveitamos alguns troços da Rota do Atlântico.

O Paulo Claro, aparentemente o mais novo, sorri enquanto tira fotos. A Ana Gonçalves, mulher do Paulo, segue num andamento muito moderado mas certo. Fala-me de vários caminhos religiosos em Portugal, ao mesmo tempo que me faz companhia no fim da fila. Por fim, a passagem em Ribeira D’Ilhas. Já vamos muito distantes mas falta pouco. Mais o desafio de subir uma escadaria e já vejo a Ericeira. Brindamos à saúde e a boas aventuras.

Que grupo fantástico, cheio de animação e grande companheirismo. Obrigado por terem participado. O quarto espera-me no fim deste dia muito desgastante. Fico numa sala com os beliches todos para mim. Por simpatia colocam-me num local sossegado. Depois do banho, vou ao centro da vila procurar um lugar para jantar. Que desafio! Tudo cheio, pessoas à porta… independentemente do preço. Meia hora mais tarde, decido-me por uma explanada. De tanto frio, por vezes até tremo. Só por dizer que nem todos os dias se janta na Ericeira… Saciado, resta-me descansar.

Despesas: Almoço – €10; Jantar – €16; Dormida – €25 

Etapa 6b

domingo, 9 de junho: Ericeira – Colares, 28 kms

Pela primeira vez neste aventura, inicio uma etapa sozinho. Saio às 7h30 e tomo o pequeno-almoço na Ericeira. Toda esta zona está ligada à minha infância. Vou caminhar por locais que percorria desde os 10 anos. Mar calmo, pouco vento. Pela Praia do Sul, em direção à Foz do Lizandro, vou caminhando só e falando para os meus botões todos os bons tempos que ali passei, à descoberta, o mesmo espiríto que mantenho ainda hoje.

A praia está calma e o rio escuro como sempre o conheci. Passo a ponte e sigo pelas Amoreiras, onde se encontra uma fonte centenária. Mais à frente, num trilho em que, nos meus tempos de criança, passava uma pessoa ou uma bicicleta, agora já passa um jipe. A vista é bonita sobre o rio que serpenteia.

Sempre pela margem sul até à foz, lembro o que me espera. A capela de S. Julião é paragem obrigatória para respirar fundo. Respirar o ar do mar batido nas rochas. Sento-me na esplanada de um café, na Praia de S. Julião, a consumir calorias e a olhar para uma subida à minha espera. É uma falésia que faz um planalto, com uma vista lindíssima até ao fim da praia.

O tipo de piso começa a mudar. Mais escorregadio e caminhos mais inclinados. Muita atenção onde ponho os pés. A Praia da Samarra está próxima, mas ando com muita calma para não me magoar. O trilho que vai dar à praia é muito técnico, com inclinação, lama e ervas. Tudo trabalha: pés, pernas e bastões para manter o equilíbrio. Algumas pessoas na Samarra olham-me um pouco admiradas. Para sair da praia, uma subida: se já custava só com o peso do corpo, quanto mais com o da mochila. Toca a subir e a descansar.

O telefone toca. Surpresa: a Sónia Rocha quer vir ter comigo, mas não sabe aonde. Digo-lhe lhe que no Magoito é o ideal. Falta uma hora para lá chegar. Acelero um pouco, erro por 10 minutos. Lá está a Sónia. Desco a encosta em direção ao estacionamento e fazemos uma festa. Conheço-a há uns 8 anos, de antigas caminhadas que eu organizava, excelente caminheira e companheira de viagem. Paramos num bar para beber e ela saca de alguns alimentos de uma bebida com morangos, espetacular e muito fresca.

Vamos andando e conversando, das caminhadas da família, das maleitas e dos amigos em comum. O tempo assim passa depressa. Já estamos nas Azenhas do Mar, uma vila lindíssima à beira-mar. Cheia de gente que vem ali passear ao domingo. Lembro-me que ali aprendi a nadar. A conversa vai agradável o o telefone toca de novo. A minha prima quer ver-me. Diz ter visto na net a minha localização em tempo real e faz questão de vir ter comigo. Traz o meu tio e o Sérgio. Grande festa, no meio da estrada, muitas saudades. Sabe bem quando alguém nos conforta. 

Mais uma paragem na Praia das maçãs, para ingerir líquidos e descansar um pouco. Toda esta zona me diz muito, foi a minha primeira praia. Na altura havia tantos elétricos como autocarros. Os elétricos saíam da estação de comboios de Sintra e os bilhetes custava dois escudos e meio. Nem todos poderão compreender, pois passaram algumas décadas.

Vamos lá Sónia, falta pouco. Continuamos junto à nacional, pela linha do elétrico até colares. Sempre admirei aquelas vivendas com bonitas portadas de cores garridas, cheias de arvoredo. Fisicamente vou bem, só os pés estão um pouco doridos do piso irregular na zona das falésias.

Umas fotos em Colares e sentamo-nos numa esplanada a descansar. Como é que a Sónia vai regressar ao seu carro, estacionado no Magoito? Não é fácil, devido à hora e por ser domingo. Além de que táxis em Colares só mesmo uma placa. A Sónia fica na paragem do autocarro e eu vou andando para os Bombeiros Voluntários de Colares. A Sónia manter-me-ia informado sobre o regresso, feito de táxi, a partir da Portela de Sintra.

Durante a semana, tinha falado com o Comandante dos Voluntários do Entroncamento, Rodrigo Bertelo, sobre a hipótese de dormir nos bombeiros de Almoçageme ou Colares. Calhou em Colares. O meu agradecimento. Dormi com o pessoal do piquete, espetacular.

Depois de uma banhoca, vou ver do jantar, por norma a refeição mais pesada do dia. Não é fome, vou chamar de apetite. É domingo, são poucos os restaurantes abertos. O preço da dose esté dentro do orçamento, agora a história do vinho da casa é que me troca as voltas ao pagar. Não tinha necessidade de beber um vinho ao mesmo preço da dose. Enfim, comemoro a vitória de Portugal na Liga das Nações. Sim, tenho direito a ver a final e tudo. Já noite, de vez em quanto, oiço o ranger da porta. São os bombeiros a entrarem aos poucos, silenciosamente. A seguir, adormeci.

Despesas: Jantar – €20; Dormida (donativo) – €10 

Etapa 6c

segunda, 10 de junho: Almoçageme – Cascais, 29 kms

Mal acordo, por volta das 6 da manhã, levo a trouxa toda para os balneários, de maneira a não fazer barulho. Dormi bem e em cima da cama. Estou ansioso, por saber que hoje apareceriam mais caminheiros. Está previsto sair de Almoçageme às 7 da manhã. Vou de boleia com o Carvalho e lá estão todos para me acompanharem. É bom ver ou rever caminheiros de longa data. Altero o percurso depois de me avisarem que seria muito duro e demorado.

Analisamos as várias hipóteses de fazer um percurso mais acessível aos caminheiros com dificuldades em trilhos técnicos. O Manuel Correia está em casa e vai mostrando os melhores caminhos e ligações entre eles. O Manuel Messias também está connosco, sempre cuidadoso e metódico. Vamos diretos para a Praia da Adraga. A Sónia repete a dose e juntam-se o Luís, a Idalina, a Maria da Luz e o Aníbal.

Calma e segurança pelo trilho. A subida inicial leva-me logo até à espetacular vista da Praia do Cavalo. Vamos andando nos topos das falésias. O guia passa a ser o Correia, sempre na frente a apalpar o caminho. O Messias leva bastante água, caso ela falte a alguém. A Maria da Luz e a Idalina vão incentivando nas subidas. Todos muito unidos e coesos, para ninguém se magoar. Se eu escorregasse ou caísse, com o peso que levo, a coisa ficaria muito feia.

Passamos pela Praia do Carneiro e pela da Ursa, sempre por trilhos muito técnicos e escorregadios. Paisagens de respeito. O caminho melhora com o aproximar do ponto mais ocidental da Europa, o Cabo da Roca. Fazemos uma festa ao chegar. O vento ajuda, com um azul pérola do mar. É sempre um lugar espetacular. Daqui para a frente vêm mais dificuldades e ainda bem que não seguimos o trilho que eu tinha marcado, caso contrário só saíamos à noite.

Subir ainda escapa, mas a descer vou no limite. Com o meu centro de gravidade alterado, é um grande desafio colocar o meu peso num bastão. Não é normal andar por estes trilhos com uma mochila de 10 quilos às costas. Não é tanto o cansaço, mas a tensão e a concentração para não ir ao chão. A Maria da Luz anima as hostes, a par da Idalina, enquanto a Sónia tira fotos. Estas coisas não são para se fazer sozinho. Grande equipa.

Os declives vão diminuindo e chegamos à Praia do Abano. Mais um pouco e estamos no Guincho, que atravessamos pela areia dura da maré vazia. Paramos um pouco encostados a um hotel para estarmos protegidos da nortada. Ingerimos mais alguns alimentos e água. Os pastéis de quiche feitos pela Sónia estão soberbos, só falta uma cerveja. Pois ali não se pode beber nada, é exlusivo para clientes VIP. Também não tinha graça pagar por uma cerveja 5 ou 6 euros, até porque uma nunca chega.

Daqui para frente é andar pela ciclovia até Cascais. A água está no limite, não se pode desperdiçar. Na boca do Inferno, paramos para comer uns gelados. Muitos turistas e passeantes de fim de semana. Muita gente invade a ciclovia, a correr de bicicleta trotinete etc.. Matamos saudade de uma fresquinha nas bombas de gasolina. Ao fim de 28 quilómetros, chegamos à Baía de Cascais, não sem antes se fazer um brinde no O’Neill’s Irish Pub, como já é tradição. Num fim de semana de afetos, fica a minha gratidão a todos os participantes.

Despesas: Transporte – €3; Outras – €10

12/13 de junho

Etapa 7 –  Cascais – Lisboa (Caminhada noturna)  30k

Foi uma boa opção mudar esta etapa para fazer a noite de S. António. Fui trabalhar e levei uma pequena mochila para guardar a roupa e alguns alimentos. Jantei em Sta. Apolónia e fui andando para o Cais do Sodré. Tinha um encontro com companheiros caminheiros ás 23 horas junto a Baia de Cascais. Assim, desloquei-me de comboio apreciando sempre uma das mais bonitas vistas das linhas férreas do mundo. Conheço bem o ambiente de Cascais a noite quando era mais jovem vinha passear com amigos a discotecas e bares que tinham alma própria. Desta vez uma concentração de Harleys  Davidson encheu a cidade de motares e muito movimento. Na Estação da CP encontrei a Sónia e o Paulo Oliveira, ficamos a espera do Messias e do Callixto que vinham de comboio.

O Callixto e o Joaquim estriaram neste projeto do Costapé. Fomos ate ao local de encontro e iniciamos as 23 horas. O tempo estava um pouco ventoso mas depressa ficou ameno. O mar estava calmo e via-se o fundo junto da praia e dos rochedos. Em direção a nascente pelas vias pedonais junto a marginal era uma calmaria só se ouvia o ligeiro enrolar das ondas a chegar a areia. De vez em vez aparecia alguém, um casal, uns amigos. Decidimos aos 10 kms parar um pouco para comer, com tantas esplanadas ali podíamos comer sentados…. Mentira. Tinha um guarda noturno que nem nos deixou sentar, continuamos. O Callxto com um grande ritmo habituado a galgar quilómetros com puro prazer ia na frente mas tinha que abrandar. O Joaquim um bem-disposto pareceu-me uma pessoa que se pode contar sempre com ele. As vezes riamos de piadas estupidas enquanto andávamos para o tempo passar depressa. O reflexo da lua na água fazia um quadro prefeito. Alguns monumentos iluminados dão um ar de algo fantasmagórico como o Forte de Caxias. Os meus pés vão dando sinal, possivelmente devido a troca de sapatilhas para esta etapa. Mas vou andando de vagar porque depois tenho tempo para recuperar. Com a madrugada vamos vendo trotinetes abandonadas aos ponta pés. O desgosto de ver a Torre de Belém apagada que mal dava para fotografar. Alegria de estar no largo do monumento dos Descobrimentos sem ninguém a incomodar ou a ficar nas fotos. A tristeza do parque das trotinetes estar muito junto ao monumento que impede uma foto limpa, inadmissível. Os comboios de hora e hora iam apenhados de pessoas que vinham da noite de Sto. António em Lisboa. Com o aproximar da capital ia-mos vendo uma multidão a espera de transportes, garrafas pelo chão, etc. Eramos os únicos mesmo de passagem, nem vinho nem sardinhas. Chegamos por volta das 6 da manhã. Eu ainda fui ate ao Terreiro do Paço apanhar o metro para Sta. Apolónia. O Callixto foi a pé até a Bobadela, fez mais de 40k. A Sónia e o Joaquim regressaram também. Depois de uma noite bem passada, 30 kms com um lindo luar e o clarear do céu de Lisboa. Foram fantásticos na companhia. Obrigado.

Despesas extras: 5€  Transportes: 7€

Pedro Pimenta

 

 

PUB