Na vila de Constância assiste-se a um silêncio ensurdecedor face ao anúncio da construção da nova fábrica para 2026. A contrastar com o ruído oriundo da CAIMA que nos entra pela chaminé adentro. E já se entranhou nos ouvidos. A pré-campanha anda por aí e pode ser que o tema venha a debate. Caso contrário, teremos todos desistido de pugnar pelo direito constitucional à qualidade de vida e ao ambiente sadio. Há residentes na vila que alegam ter procedido a isolamento de paredes mas ainda assim referem a existência de um zumbido. O mapa do ruído municipal já conta com 18 anos de idade sem sequer ser actualizado.
Um projecto de 90 milhões, muitas interrogações. A Altri anunciou a construção de uma nova unidade industrial na fábrica da Caima, em Constância, para produzir filamentos têxteis biodegradáveis com base na tecnologia AeoniQ™. O projecto, com arranque previsto para 2026 e uma capacidade inicial de 1.750 toneladas/ano, é apresentado como um avanço ecológico. No entanto, o comunicado oficial ignora aspectos fundamentais: não há referência à Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), licenciamento industrial, cronograma de consulta pública ou qualquer detalhe sobre os riscos ambientais e sociais.
Calendário realista? 2026 pode escorregar se houver atrasos na Avaliação de Impacte Ambiental, na engenharia de detalhe ou no financiamento.
Ambiente fora do radar – um silêncio preocupante
Apesar da promessa de sustentabilidade, o projecto ainda não submeteu qualquer Estudo de Impacte Ambiental. Trata-se de uma exigência legal em Portugal para unidades produtivas desta escala, especialmente quando podem afectar recursos hídricos, a paisagem ou habitats naturais. Falar em “impacto climático positivo” sem apresentar os estudos técnicos que suportam os números – como os alegados -3,2 kg CO₂/kg – levanta sérias dúvidas sobre a transparência e o risco de greenwashing (incumprimento de critérios reais de sustentabilidade). Já há histórico: em Palas de Rei, Espanha, a Altri teve de enfrentar uma avaliação ambiental rigorosa e condicionada. Em Constância, até agora, reina o vácuo administrativo.
O elefante na sala da pré-campanha eleitoral
Ignorar este projecto na pré-campanha para as eleições locais de 2025 em Constância seria um erro político crasso. Em jogo estão empregos, dinâmicas económicas locais, mas também alterações ambientais profundas e necessidades de infra-estrutura pública. A ausência de debate poderá minar a confiança dos cidadãos e dar palco a críticas sobre a falta de participação democrática. Se os candidatos não o abordarem agora, arriscam enfrentar um terreno minado após as eleições – com protestos, processos atrasados e desconfiança popular. Um investimento deste calibre, sem discussão pública e com procedimentos legais ainda em aberto, não é sinal de modernidade: é sinal de imprudência.
Investir sim, mas com regras claras e olhos abertos. A pressa industrial nunca pode atropelar o dever ambiental e democrático.
Mapa do ruído de Constância já tem 18 anos…
A última atualização do Mapa de Ruído do Concelho de Constância foi realizada em 2007.
Desde então, não existe registo público de qualquer atualização deste instrumento fundamental de planeamento ambiental e ordenamento do território.
A Provedoria de Justiça tem recebido queixas relacionadas com a falta de atualização dos mapas de ruído em diversos municípios. Em várias situações, instou as autarquias e a APA a garantir o cumprimento dos prazos legais.
Em julho de 2025, a Provedoria de Justiça publicou um relatório temático intitulado “Controlo do ruído: Planear, gerir e sensibilizar”, no qual identificou várias falhas no cumprimento das obrigações legais de planeamento acústico. O documento destaca:
Omissão no planeamento acústico: especialmente em grandes infraestruturas de transporte, expondo milhares de pessoas a níveis sonoros prejudiciais.
Este relatório sublinha a necessidade de uma abordagem mais rigorosa e eficaz no controlo do ruído ambiente.
Consequências da falta de atualização do mapa do ruído de Constância
A ausência de atualização do Mapa de Ruído desde 2007 representa:
– Desconformidade legal face às diretivas europeias e à legislação nacional;
– Risco para a saúde pública, dado que não se dispõe de dados atualizados sobre zonas com excedência de ruído;
-Falhas no planeamento urbano, nomeadamente na definição de zonas habitacionais, escolares e hospitalares;
-Dificuldades na avaliação de novos projetos, como a nova unidade industrial da Altri, cujo impacto sonoro não pode ser adequadamente comparado com uma linha de base atualizada.
Parafraseando a Provedoria de Justiça diríamos que “A ausência de atualizações periódicas dos mapas de ruído constitui violação do direito constitucional à qualidade de vida e ao ambiente sadio, conforme consagrado no artigo 66.º da Constituição.”.
Quem dorme em Constância sabe bem qual é o impacte sonoro com origem na CAIMA. De noite, face à ausência de outros ruídos e com dois rios a influenciar a propagação do som, tudo se torna mais fácil de monitorizar… Assim haja vontade e sigilo profissional…
José Luz (Constância)
PS – O autor não aplica o dito AOLP