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Dou por mim a pensar que, muito provavelmente, mudámos mais vezes do que o coração consegue suportar. Não porque realmente o queremos, mas porque as circunstâncias assim o exigem. Já paraste para refletir o quanto juramos querer ficar exatamente onde estamos e, num piscar de olhos, somos levados pela corrente? A mudança, essa velha companheira, insiste, uma e outra vez, em bater-nos à porta. E o que fazemos? Abrimos. Abrimos sempre. Mas ninguém nos avisa que, ao fazê-lo, oferecemos o peito para uma autópsia emocional. Somos desfolhados até ao núcleo e, tal como uma serpente, uma nova pele começa a crescer em nós.

Falar desta forma parece que todas as mudanças são positivas ou uma promessa de algo maior. Mas não. Gostava de dizer-te que deves arriscar todas as vezes, porque, afinal, só vivemos esta vida uma única vez. E quem não gosta de sonhar mais alto, mais longe, mais… intensamente?

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Adoro a mudança, mas não por inteiro. Acredito ter descoberto porque tantas pessoas a temem, acredito porque talvez até tu a temas. E a resposta é tão simples quanto complexa. Mudar exige um preço: deixar algo para trás.

Imagina, por instantes, teres concretizado aquele sonho que juravas amar até ao fim dos teus dias. Aquele sonho que era casa e abrigo, onde cada repetição era melodia, cada esforço, uma oração ouvida. Perseguias cegamente a perfeição inatingível e afastavas as más línguas da tua mente porque tinhas a certeza de que era por ali. Até que, um dia, tão normal como o de hoje, acordas. E dói. Dói olhar no espelho e ver que o sonho se tornou numa prisão dourada, que a máscara que construíste para brilhar é agora o que te impede de respirar.

Quando isto acontece pela primeira vez, há uma força bruta que cresce em ti. Choras. Choras muito, mas também limpas as lágrimas e dizes: “Vou largar e seguir em frente”. A decisão é tudo menos romântica. É crua. É visceral! Mas segues. E recomeças. E, algures no caminho, o ciclo recomeça. Apaixonas-te por algo novo, entregas-te por completo, lutas e acreditas cegamente. Até que, novamente, a mudança aparece e percebes que não podes ficar. Um ciclo sem fim parece instalar-se na tua vida e tu percebes que é muito difícil alinhar a paixão com o propósito.

É aqui que encontramos o paradoxo da mudança. Por mais que nos reinventemos, há algo em nós que insiste em ficar. Há hábitos que teimam em voltar e medos que já nos eram familiares aparecem em novas formas. E é aqui, neste momento, que está o verdadeiro desafio da mudança: aceitar que a transformação não apaga quem fomos, que o novo não destrói o antigo. Apenas o integra, pedaço a pedaço, numa versão mais completa e, talvez, mais autêntica de nós mesmos.

Há quem diga que mudar é um ato de coragem. Sim, também o sinto, mas essa coragem não é heroica, é essencial. Ninguém fala que essa coragem advém de um instinto de sobrevivência. E quando o mundo insiste em girar à nossa volta, a verdadeira desistência é estagnar no movimento que fazemos com ele.

Lembra-te: reinventares-te não é apagar o passado. O passado não se altera. O passado é uma dança cheia de lições que, por vezes, nos lembram que dançar fora de ritmo também é dançar. É olhar para cada escolha que já fizeste e perceber que, sem elas, talvez o agora não fosse tão significativo.

Se vais carregar arrependimentos? Claro que vais. E vais falhar. Vezes sem conta. Mas é isso que nos humaniza, não é? Saber que nunca teremos todas as respostas e muito menos certezas. Afinal, somos meros mosaicos feitos de fragmentos que vamos recolhendo no caminho.

Talvez, o maior segredo seja este: não importa se chegamos ao destino. O que importa é termos dançado, com tudo o que somos, até ao último sopro.

Aproveita.

SANDRA MAY
25.11.2024

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