Estabilidade. Segurança. Previsibilidade. Conforto.

Quatro palavras que perseguimos como se fossem o único caminho certo para nós, mas que, na verdade, determinam a nossa sentença. Quatro palavras que nos envolvem em lençóis falsamente quentes e ilusoriamente confortáveis, apertam com tanta força que acabam por nos sufocar. Estas são as palavras que enganam, num embalar quase maternal e que, sem que percebamos, apagam a nossa chama. Caímos quase mortos, numa aceitação do vazio, encolhendo os ombros com a célebre frase estampada na nossa cara: “A vida é isto.”

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Não.

A vida não é isto.

A vida é exatamente o reflexo cru das nossas escolhas, de todas as vezes que optámos pelo caminho mais calmo ao invés do desafiante, das rotinas que nos prendem a alma numa monotonia anestesiante. Insistimos em ficar em lugares com o mesmo cheiro, os mesmos sabores e dissabores, que nunca nos farão mal porque são familiares. Mas será que são mesmo? Ou será porque o medo do desconhecido é demasiado grande?

Tudo isto leva-me a acreditar que o conforto não é assim tão real, mas que é, na verdade, um truque que plantamos na nossa mente para nos protegermos constantemente.

E tudo isto leva-me a pensar num… barco?
Sim, barco.

Um barco ancorado no porto, longe das tempestades, protegido das ondas. Simplesmente, parado. Parado por demasiado tempo. Parado até se esquecer do que significa navegar. A ferrugem apodera-se da sua estrutura como um cancro sem medo de avançar, devora-lhe a madeira, esmagando-lhe a essência. Quando a sua natureza foi feita para o mar, para enfrentar as águas bravas, descobrindo novos horizontes. É impossível não pensar: não somos diferentes.

Quero que reflitas: nas razões que te levam a permanecer.

Quero que penses nas razões que te fazem ficar onde estás. Quero que penses nas razões para manteres aquilo que tens. Serão verdadeiras razões? Ou um acomodar pelo medo que sentes por achares que o desconhecido é demasiado para ti? Quantas vezes não ficas no teu emprego que não te desafia, não te realiza, só porque o salário é certo? Quanto tempo não permaneces no teu relacionamento porque temes a solidão? E quantos sonhos não guardaste já na gaveta porque, para os viveres, terias de abdicar de tudo o que conquistaste até agora?

Se, ao ler estas perguntas, estás a sentir um nó na garganta e um soco no estômago, lamento ser eu a dizê-lo, mas… a verdade encontrou-te. És um barco ancorado.

O maior risco de todos não é saltar para o desconhecido. O maior risco é a escolha de não escolher, de esperar eternamente por algo externo que te faça mover, é a inércia. E, se fores realmente sincero contigo, perceberás que algo essencial começa a desaparecer em ti: a vontade de viver plenamente.

Arriscar não significa agir sem pensar. Não te peço que saltes para o escuro, mas que dês passos na direção de quem queres ser. O risco é o preço da transformação. É trocar esse cais que te come vivo pelas infinitas possibilidades que o horizonte te pode dar, mesmo sem saberes o que irás encontrar lá.

E a grande ironia da vida é: o que parece seguro hoje, como o emprego, a relação, a rotina, pode ser o que nos aprisiona amanhã. É tão sufocante quando aceitamos isto como sendo a nossa vida.

Não tem de ser assim.

Aprendi que a verdadeira segurança não está naquilo que conhecemos, mas na capacidade de nos adaptarmos à nossa própria mudança e tomarmos decisões. Somos tão maiores do que os monstros que criamos para nós.

O porto pode parecer seguro, mas é no mar que a vida realmente acontece.
Limpa a ferrugem. Solta as amarras. Liberta-te do cais e navega.

Antes de ir, deixa-me perguntar: onde, na tua vida, estás ancorado e já deverias ter partido?

SANDRA MAY

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