Manuel Fernandes Vicente manuelvicente@entroncamentoonline.pt

Os últimos dias, as últimas semanas, têm trazido boas e promissoras notícias para o Entroncamento, de tal modo impressivas que conseguiram furar o nevoeiro informativo que tem sido toda a complexa nova realidade e  a nova cultura promovida pela pandemia da Covid-19.

Há poucos dias ficámos conhecedores da venda em hasta pública de quatro lotes de terreno no parque empresarial do Entroncamento, um total de cerca de três hectares para a instalação de uma empresa da área alimentar de grande expressão exportadora que, aproveitando a centralidade e as facilidades logísticas da cidade, aqui passará a produzir a “bebida do futuro”, o Captain Kombucha, uma “inspiração ligada aos Descobrimentos portugueses”, um investimento de 53 milhões de euros e a previsão de se poderem criar cerca de 200 postos de trabalho nos próximos cinco anos.

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A par do Captain Kombucha há também que assinalar o novo impulso para a Reabilitação Urbana do Bairro do Boneco, inscrita na valorização e requalificação dos bairros ferroviários do Entroncamento, secundando as reabilitações noutros locais históricos do nosso urbanismo ferroviário. É uma intervenção de enorme pertinência para o estudo sistemático de documentos da ferrovia nacional, sendo o abandonadíssimo e decadentíssimo Bairro do Boneco convertido num futuro já próximo em Centro de Documentação Nacional Ferroviário, Centro de Ciência Viva e núcleo museológico incidindo sobre os elos entre os caminhos de ferro e a realidade militar que se instalou na cidade a partir da logística ferroviária com que se conjugou. E há que admitir que esta nova estrutura, que será uma “torre do tombo” da ferrovia, abrindo perspetivas aos investigadores e historiadores dos caminhos de ferro, não será algo marginalmente integrado na nossa vida cultural, mas sim parte da sua essência e identidade. E ainda será possível acrescentar os diversos e sucessivos (e merecidos) reconhecimentos que têm contemplado a joia que é o Museu Nacional Ferroviário (MNF) nos últimos tempos, como a sua integração no Top 10 do Prémio Nacional de Turismo 2020 (categoria de Turismo Autêntico). Pouco tempo antes, o MNF, um museu de história, de ciência, de um acervo espantoso e de muitas emoções, já fora distinguido com o Travellers’ Choice Awards 2020, com base na impressão que dele deram eco os utilizadores da plataforma Tripadvisor. O museu é algo que proporciona uma visita acompanhada com pessoas com muita competência e que sentem o que dizem, podendp apenas lamentar-se a escassa divulgação que tem, incluindo as placas informativas dentro da cidade e fora dela. Por fim, e para não ser exaustivo, há ainda que incluir a da próxima instalação na zona noroeste da cidade de um novo restaurante da uma cadeia de fast food. É uma instalação que tem envolvido alguma polémica, sobretudo pela localização escolhida, mas, saltando sobre esse aspeto – o que não será fácil por que vive perto −, é sempre um factor de valorização do Entroncamento.

Mas a verdade é que, a par deste lado mais feliz e lampejante, a urbe tem igualmente um lado mais crepuscular, que já se intensificara nos tempos sombrios da troika (mas vinham de antes) e agora se prolongam com todo este ambiente depressivo da malfadada pandemia Covid-19, cujos prejuízos não só sanitários mas em muitas outras dimensões, estamos ainda muito longe de poder avaliar.

Sai-se de casa (e tem de haver alguma razão para o fazer), e é deprimente o conjunto de lojas, espaços e serviços fechados, uns por força deste confinamento, outros que já não abriram depois do primeiro confinamento há um ano atrás. Aqui, uma ourivesaria, um quiosque de jornais, revistas e jogos e uma frutaria, mais à frente uma florista, um talho, uma cabeleireira e dois restaurantes, um pouco por toda a cidade (e pelo país) o primeiro confinamento encerrou lojas e serviços – uns por dois meses, outros para sempre, e agora é possível que mais estabelecimentos se acrescentem à necrologia comercial. São porções do Entroncamento que se estão a extrair à faca, e não vale a gritar pois o país também está todo aos berros. Mas, para além desta temível conjuntura, o concelho apresenta fragilidades estruturais próprias, umas mais difíceis de entender que outras.

A estação dos caminhos de ferro é hoje uma pálida imagem do que era há 40 ou 50 anos, quando se enchia de comboios e de gente que chegava e partia rumo a mil direções, mais parecendo um ventrículo do país, sendo a sua passagem metálica superior uma caricatura humilhante para todos; a construção civil que, entre muitos atropelos urbanísticos, foi o pulsar do seu crescimento durante várias décadas, colapsou há muito, deixando muitos apartamentos e lojas por vender;  a zona industrial lançada há mais de 30 anos foi frustrante, e o seu acesso à A23 é ainda um estrangulamento completo; a cidade não tem resposta para empregos mais técnicos e qualificados; o ambiente cultural e associativo é agora um amargor. Perdemos também muitas coisas. A cidade tem o carisma equivalente a um molho de brócolos cozidos, não tem nem terá livrarias com dimensão que se possam considerar como tal, não tem cinemas, falta ânimo, prevalece a opinião avulsa com a solução dos problemas na ponta da língua, mas as mãos não saem das algibeiras.

Há uma parte enigmática, e até ilógica e irracional, do nosso comportamento que nos leva a valorizar bastante mais o que perdemos do que aquilo que ganhámos. Perder mil euros ou ganhá-los tem obviamente o mesmo valor absoluto. Mas nós detestamos muito mais perdê-los do que adoramos ganhá-los, a nossa natureza psicológica é aversa às perdas, isto faz parte da área da economia comportamental, e foi estudado por Daniel Kahneman, Amos Tversky e Dan Ariely, entre outros economistas.

Podemos ficar contentes com as notícias que põem o Entroncamento numa rota de progresso, investimento e emprego – das boas notícias e das promessas delas de um futuro com sol e dias luminosos. Mas o que prevalece para o cidadão comum são sempre as más notícias, o que perde  e a tristeza e o nevoeiro com que o nosso quotidiano esbarra por todos estes dias de confinamento. O pessimismo come o otimismo logo ao pequeno-almoço.

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