
Era o ano de 1957. Num dia de primavera, os raios de sol douravam uma aldeia transmontana, encravada na base da serra de montezinho, quis o destino que, aí, nascesse uma criança desejada. A carinhosa simbiose com a mãe, durante alguns meses, cedeu e, pouco a pouco, a criança foi crescendo, autonomizando-se, evoluindo numa complexidade biopsicossocial.
Depressa chegou o dia de ir para a escola primária. A oeste da aldeia, numa casa nova com uma sala, um pequeno corredor, casas de banho e recreio, uma professora, já entrada na idade, ensinava as primeiras letras e a restante matéria a todas as classes. Na sala havia respeitinho e até medo da régua e do caule da couve-galega, mas tudo se esquecia na alegria do recreio. Era contagiante a azáfama. Os rapazes lançavam o pião, jogavam à bilharda e à apanha, quando não conseguiam uma bola de trapos ou a bexiga do porco para jogar futebol. As raparigas aperfeiçoavam o jogo da macaca, mas a algazarra e vozearia depressa terminavam com a entrada na sala. Findo o dia, o pior estava para vir. Em casa, além de ajudar a família, havia que fazer os deveres da escola, mesmo que fosse à luz do gasómetro. Ai daquele que não os fizesse! No dia seguinte havia reguadas…
Passaram-se rápido os quatro anos da primária. Havia que continuar a estudar. A perspectiva do liceu trazia consigo alguma incerteza, mas comportava, também, um aceno confuso de libertação. Atemorizava-a a ideia de que iria para uma cidade e para uma escola maior com muita gente diferente. Pelo sim pelo não, foi-se preparando para o pior porque o que acontecesse de bom, seria mais fácil de assimilar. A angústia dos primeiros meses na cidade era compensada com a alegria de nas férias escolares regressar ao seio materno. Os anos passaram-se entre os estudos na cidade e os trabalhos na aldeia, durante as férias escolares. Pois! Era preciso ganhar algumas jeiras para ajudar a criar os outros cinco irmãos.
Concluído o liceu, e aquela criança já adolescente, tinha que procurar trabalho. A restauração em Madrid, Girona, o serviço militar, em Vila Real e a Escola Prática de Polícia, em Torres Novas, foram os caminhos mais certos na incerteza do destino. Com vinte e dois anos, pensava que já conhecia a vida. Não! Em Torres Novas assimilou os valores que lhe bateram à porta e que proporcionaram instrumentos de trabalho para os tempos futuros. A indecisão do limite entre o real e o imaginário, que caracteriza o mundo adolescente, depressa deixou cair os castelos construídos no ar, as quimeras, para tornar mais real a adaptação à vida, na procura de caminhos mais concretos.
Já polícia, o destino foi Lisboa. Durante sete anos, a patrulhar, rondar e receber pessoas, resolvendo ou tentando resolver os seus problemas. Como Oficial de Polícia, coube-lhe o comando da Esquadra de Segurança à Assembleia da República. Durante seis anos, trabalhou com três tipos de públicos: cidadãos anónimos que assistiam nas galerias, ao desenrolar dos trabalhos; os funcionários da A.R., e os políticos (Cabeça dos Estado). Vivia, diariamente entre dois mundos: o mundo da retórica e o mundo da realidade, exterior à A.R. O Regime Político (Democracia representativa), assente no povo, já pouco ou nada tem a ver com o Sistema Político, que me parece constituir um mundo à parte, tal como o mundo que o adolescente constrói, antes de assentar os pés na terra. Daí, a necessidade que o povo sente em se manifestar. Ainda bem que tem e faz uso desse direito constitucional.
Terminados os estudos policiais na Escola Superior de Polícia e os estudos universitários na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, essa criança que nasceu numa aldeia do interior, completamente esquecida porque não rende votos, foi colocada, por imposição, na Escola Pratica de Polícia, em Torres Novas. Aí, desde formador, coordenador de matérias, director de cursos (agentes e subchefes), director de serviços (chefe de divisão), tudo lhe coube em destino.
Já lá vão sessenta e dois anos e são mais as dúvidas que as certezas. Mas, uma coisa parece certa: a época de aceitação passiva, acrítica ou temerosa da acção dos governantes está ultrapassada. O futuro é desconhecido e imprevisível, afirmam alguns. Será? Os políticos que continuem a pensar que vivem num mundo à parte e verão que o futuro não será assim tão imprevisível.















