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Rodrigo Bertelo rodrigo.bertelo@entroncamentoonline.pt

O fogo é um elemento caraterístico dos ecossistemas mediterrânicos. Todavia, convém não estimulá-lo. Em Portugal, mais de 90% das ocorrências estão associadas à ação humana. Estamos no topo do ranking em área ardida na Europa e com grande destaque a nível mundial.

Associado ao fogo em espaços silvestres está a produtividade vegetal dos nossos ecossistemas, humanizados na sua quase totalidade. Sem uma gestão ativa destes ecossistemas são geradas grandes acumulações de material vegetal combustível: arbustos, árvores e herbáceas.

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As estatísticas dos incêndios em Portugal refletem prejuízos económicos muito elevados resultantes da perda do coberto florestal, bem como danos ambientais associados à morte e fuga dos animais, à maior suscetibilidade do povoamento ardido a pragas e a um eventual aumento da erosão do solo. Aparentemente, o ecossistema fica mais pobre, devido ao desaparecimento de inúmeras espécies da fauna e flora, que dão lugar ao solo nu. Mas, será que esta perda é definitiva? Como é que o ecossistema recupera após o fogo? Qual é o efeito do fogo, a médio e longo prazo, na biodiversidade?

Habituámos-mos a entender o fogo como um fenómeno destrutivo, não natural, associado às atividades humanas, talvez porque conduz ao desaparecimento imediato de inúmeras espécies de plantas e animais numa dada área. No entanto, para avaliar os efeitos deste fenómeno na diversidade biológica do ecossistema, há que analisar o processo de recolonização do espaço no médio e longo prazo, e comparar a comunidade que se desenvolve (pós-fogo) com a inicial (pré-fogo), atendendo ao número de espécies existentes (riqueza florística, se estivermos a considerar a vegetação) e à abundância relativa dos indivíduos de cada espécie.

Nesta abordagem temporal, o fogo surge como um evento natural, que ciclicamente afeta o ecossistema, de tal modo que as comunidades vegetais evoluíram e adaptaram-se a um determinado regime de fogo, sendo, portanto, um agente modelador da estrutura e composição da paisagem.

Deste modo, os efeitos do fogo ao nível da biodiversidade do ecossistema dependem essencialmente do estado de evolução desse mesmo ecossistema e da frequência de ocorrência do fogo (período de tempo entre cada fogo).

Quando os fogos ocorrem numa frequência superior à normal (de 5-6 anos), a tendência para o retorno ao estádio inicial é retardada e a comunidade tende para um novo equilíbrio relativo à nova frequência de fogo. Isto é devido à impossibilidade de implementação das plantas lenhosas da comunidade. Tal pode verificar-se como consequência dos incêndios florestais decorrentes de ação humana.

A consciência dos prejuízos e danos causados pelo fogo conduz à implementação de políticas de supressão do fogo nestas comunidades heliófitas (plantas que carecem de exposição solar), as quais apenas adiam um evento relativamente inevitável e promovem a acumulação de combustíveis, o que resulta na ocorrência de fogos de elevada severidade. Assim, em vez da supressão deverá equacionar-se a realização de fogos controlados, por técnicos experientes e em condições climatéricas adequadas ao controlo da progressão do incêndio, destinados à redução da carga de combustível e à conservação destas comunidades, pois a estabilidade e diversidade deste mosaico de vegetação heliófita está intimamente associada ao fogo.

Em resumo, as relações entre o fogo, as plantas e animais apresentam diferentes níveis de dependência, pelo que os efeitos do fogo variam numa gama entre o aumento e a redução da biodiversidade. O conhecimento destas relações é essencial para prever a recuperação do ecossistema após o fogo, não esquecendo que as comunidades naturais têm uma evolução dinâmica associada à interação com o fogo, pelo que tendem para um equilíbrio florístico adequado à frequência de ocorrência deste fenómeno.

Recentemente foi lançada pelo Governo, através da AGIF — Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, a Campanha “Portugal Chama” que quer mobilizar os portugueses para o perigo dos incêndios antes do Verão. É uma campanha que julgo que irá colher os seus frutos e que mobiliza para a mudança de comportamentos antes da época crítica chegar.

É suficiente? Não será certamente, mas já é uma tentativa de reduzir os riscos relativamente ao que se passou em 2017 e no passado, para que se não volte a repetir.

Será importante ainda, e em paralelo, analisar o abandono do solo nos últimos anos, assim como a recuperação do ecossistema após a ação do fogo, através do processo de recolonização do espaço no médio e longo prazo.

A solução terá definitivamente de passar pela ocupação, limpeza, uso do fogo, recuperação e ordenamento dos espaços florestais, associada a um maior controlo (sensibilização, vigilância, etc.) de todas as vertentes, sendo certo que é mais fácil falar do que implementar.

Muito haveria para se dizer, mas de qualquer forma, e não querendo fazer previsões, deixo-vos com uma frase com muito significado:

Os homens que tentam fazer algo e falham são infinitamente melhores do que aqueles que tentam fazer nada e conseguem”. (Lloyd Jones)

A resposta pronta e rápida do cidadão é tão ou mais importante que a resposta dos serviços de emergência.

Todos juntos poderemos fazer a diferença.

Rodrigo Bertelo

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