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Dizem existir nas obras de Paula Rego uma história a ser contada, o suspense, para lá da obra em si – origjnal – que lhe serve de inspiração. As histórias alimentam-na e ela alimenta-as, por sua vez.  Ainda que de forma efémera e subtil, o poder da arte está presente nas criações artísticas, com as suas influências no ser humano.

A criadora Paula Rego, é sabido, tem-se inspirado desde cedo, na literatura oral ou escrita, nas artes pictórica, musical ou mesmo cinematográficas. Em 1990 aceitou ser a primeira artista associada da «National Gallery» londrina.

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No ano anterior  a esta sua ascensão esteve exposta na «Galeria de Constância» de boa memória, a sua obra «Ring-a-Ring o’Roses (1989). As imagens, fortemente desenhadas integram o portefólio ‎‎de «Rimas ‎‎do berçário» decorrente dos desenhos que Paula Rego criou para o segundo aniversário da sua neta Carmen.

As rimas inspiradoras…

«Ring a Ring O’ Roses,
A pocketful of posies,
Atishoo! Atishoo!
We all fall down!»

Traduzindo

Ring-a-ring o’Roses
Um bolso cheio de «posies»
A-tishoo! A-tishoo
Todos nós caímos (1) 

Acredita-se que esta rima foi uma paródia macabra alusiva à Grande Peste que varreu as Ilhas Britânicas em 1665.

Segundo o sumário da obra «Ring-a-Ring o’Roses (1989)», a autora já em pequena terá sentido um prazer especial em ver as gravuras de Gustave Doré, do «Inferno» de Dante…

Existem pelo menos três versões diferentes da música para «Ring a Ring o’ Roses». Todas elas construídas numa lógica de quadratura simples, de roda. Melodias simples, assim como letras fáceis e padrões silábicos, ajudam a música a ficar na nossa mente. A imagem daquele quadro também ficou na minha mente, desde o primeiro momento…

A sua autora continua ainda hoje a suscitar tanto a admiração quanto o embaraço.

Desde a sua primeira exposição em Lisboa nos anos 60 na Sociedade Nacional de Belas Artes que se encontram presentes nas suas criações, de forma subjacente, leia-se, alguns princípios de que serão exemplos: desmontar jogos de poder, denunciar o autoritarismo dos políticos, a hipocrisia, expor o sofrimento no amor e a sexualidade encapotada, exaltar o poder feminino, entre outros.

«Se tivesse ficado em Portugal possivelmente teria sido uma bêbada profissional» (sendo homem, claro, teria sido um bêbado importante). Palavras que Paula Rego «desenhou» ´para uma entrevista a Livingstone, então comissário da retrospectiva realizada no Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia, em 2007. Eu acrescentaria até: se tivesse ficado em Portugal e em particular na vila de Constância, onde expôs em 1991 a sua dança macabra, a autora teria sido uma autarca ou, quiçá, consultora cultural municipal.

Ocorre-me aqui citar bem a jeito, algumas sentenças escritas pela saudosa amiga, Manuela de Azevedo, fundadora da Associação da Casa de Camões. (2009), cuja divulgação devemos ao Museu Nacional da Imprensa em particular. É assim que, sem meias palavras e de forma assertiva, a antiga escritora e jornalista, dizendo o que lhe vai na alma sobre a actualidade política da vila de Constância, diz também muito do que é a visão limitada e por vezes corporativa dos meios pequenos em que vigora com alguma facilidade o caciquismo tradicional. Razões de uma outra grande mulher que, ao invés de ter sido acolhida por um país estrangeiro, persistiu em ficar por cá…

Oiçamos:

«O programa cultural da Casa de Camões em Constância merecia que as duras turbulências políticas dos últimos anos o não atingissem. Todavia sempre vai havendo verba para festivais de música «pop», a que ocorrem milhares de festivaleiros, fortalecendo o que de mais minimizante possui a cultura de um povo deixando sem resposta a boa vontade do esforço de quem tenta que Portugal suba a par do conceito das nações civilizadas. Na verdade, valham-nos os cérebros portugueses que no estrangeiro sobem ao grau de classificação dos primeiros».

Não sabemos se a nossa fundadora estaria a citar a Paula, mas pode depreender-se que não a excluiria do seu pensamento, por certo. A «Galeria de Constância» ficava mesmo ali ao lado da Casa-Memória.  A obra de Paula Rego esteve exposta na Primavera de 1991.  Tratou-se de mais uma exposição colectiva, em que participaram ainda: Cruzeiro Seixas, Raúl Perez, Sérgio Telles, Augusto Barros, Lucília Moita e Santos Lapa. A década de 90 foi uma espécie de período dourado cultural, em que estiveram muito activos quer a «Galeria de Constância» de José Ramôa Ferreira, quer o Centro Internacional de Estudos Camonianos. Foi também a década da emergência e explosão da comunicação social local.

Manuela de Azevedo, já no final da sua vida activa cultural, continuava a sonhar com uma comissão de especialistas e mecenas, «capaz de transformar a formosa Constância num grande centro de estudos e turismo como o é hoje Stratford-upon-Avon capaz de envergonhar uma senhora da actual Direcção da Associação da Casa-Memória ao dizer que esta é uma obra do 25 de Abril…». 2009 !

Hoje (!) como ontem, sempre podemos cantar, dançando, para evitar as pragas…

«Ring a Ring O’ Roses,
A pocketful of posies,
Atishoo! Atishoo!
We all fall down!»

José Luz (Constância)

PS – Não uso o dito AOLP.  A Fundação Mário Soares capturou no seu início, a vários bancos, as verbas que poderiam ter sido destinadas à futura Fundação da Casa-Memória de Camões (revelação de M.A nas suas memórias). O conceito cultural e turístico que existe na Casa-museu de Shakespeare, gerida por uma sociedade, foi discutido na associação de Constância por diversas vezes.  Infelizmente, os intentos da Manuela de Azevedo e de outros membros dos órgãos sociais, de se criar um conceito local semelhante para Camões, não chegaram a ser realizados nunca. A Manuela foi substituída e outros já se afastaram, de cansaço. Não há cultura colaborativa. Sem predisposição pessoal para a inovação, nunca haverá mudança.  Nem com influências dominantes ao sabor dos partidos políticos. A cultura não pode estar ao serviço das ideologias. Esse erro paga-se caro.

(1) Há quem afirme que a rima do berçário ‘Ring-a-ring-o’-roses’ é sobre a praga londrina de 1665:

-As “rosas” são as manchas vermelhas na pele.
-Os “posies” são as flores que as pessoas carregavam para tentar afastar a praga.
-“Atishoo” refere-se aos ataques de espirro de pessoas com peste pneumónica.
-“Todos nós caímos” refere-se a pessoas morrendo.

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