Muitos prodígios há; porém nenhum
maior do que o homem
Sófocles – Antígona
Neste momento tão doloroso não é fácil falar de Ramiro Marques (1955-2023) pela estreita relação que fomos construindo ao longo do tempo. Embora de personalidade discreta, demonstrava um singular afecto pela família e prezava de forma honesta os seus amigos, traços indeléveis do que mais sincero e humano era o seu carácter.
A sua vida foi dedicada ao estudo: licenciou-se em História, na Faculdade de Letras de Lisboa, fez um mestrado em Ciências da Educação, em Boston, e concluiu um doutoramento em Desenvolvimento Curricular, na Universidade de Aveiro. Iniciou a sua carreira profissional como professor do Ensino Básico e Secundário, tendo sido depois docente da Escola Superior de Educação de Santarém, onde também desempenhou o cargo de director. Para além de um brilhante percurso académico, o seu pensamento e obra afiguram-se ímpares pela continuada dimensão cívica, que se estendeu por inúmeras actividades: foi pedagogo, ensaísta, jornalista e escritor.
O prestígio científico do Ramiro mereceu-lhe inúmeros convites em Portugal e no mundo. Integrou, sob a égide do Ministério de Educação, um grupo consagrado à criação de um novo sistema avaliativo. Foi consultor da Unesco para a formação de professores em Cabo Verde, bem como da Fundação Calouste Gulbenkian para a reforma curricular em S. Tomé e Príncipe. Participou no projecto internacional Schools, Families and Communities Partnerships e fez parte da equipa pedagógica da Rua Sésamo, programa infantil de grande êxito na década de 90 do século findo.
Num significativo gosto pelas questões pedagógicas, deu à estampa mais de 30 volumes, alguns editados no Brasil e em Espanha. O seu lúcido pensamento apresenta, com efeito, uma perspectiva inovadora para o ensino nacional, alicerçada numa bibliografia colhida principalmente em publicações norte-americanas da especialidade. Os seus livros são consagrados a diversos temas, como sugerem os próprios títulos: Breve história da ética ocidental, Valores éticos e cidadania na escola, O livro das virtudes de sempre, Motivar os professores, Estratégias de desenvolvimento profissional, Dicionário breve da Pedagogia e Saber educar e educar com os pais.
Na qualidade de ensaísta e investigador, proferiu ainda inúmeras conferências e colaborou em revistas nacionais e estrangeiras. O mérito deste aturado trabalho reside, pois, nos inovadores modelos pedagógicos de leitura indispensável a todos os educadores. Deste modo, a competência didáctico-pedagógica, o rigor científico e o sentimento de partilha, atributos de um mestre, permitiram-lhe ensinar sucessivas gerações de alunos e orientandos, dispersos hoje por várias instituições de ensino.
Criou, neste contexto, um blog sobre educação, o Profblog, referência incontornável para todos os educadores. Em clave por vezes polémica, analisou regularmente questões candentes com implicações educativas na vida escolar.
Coordenou, no âmbito jornalístico, um suplemento cultural do Diário de Notícias, publicou textos de opinião no jornal online Observador e escreveu um conjunto alargado de crónicas semanais – das quais destaco USA, aqui tão perto –, no extinto Notícias do Entroncamento, jornal de que foi membro fundador.
Mais desconhecida, mas não menos relevante, foi a sua faceta de romancista; na prestigiada Editorial Presença publicou Um encontro inesperado e Ao sabor do vento, narrativas centradas no perfil das personagens e nos inquietantes desafios inerentes à condição humana.
Os atributos evocados, de notável humanismo e espírito cívico, contribuíram para a sólida aprendizagem de sucessivas gerações de alunos e professores, constituindo um exemplo para toda a comunidade. Assim, afigura-se imperativo prestar o devido tributo a Ramiro Marques, uma luz inspiradora que perdurará, sem dúvida, nas nossas memórias e nas gerações vindouras.
Maria José Moleirinho Moura Ventura
José Manuel Ventura
