Povo da vila no último quartel do século XIX
PUB

No dia 16 de Janeiro de 1868, segundo as actas, ao receber-se em Constância (então Punhete), passo a citar, «a notícia da revogação da ominosa lei”, todos os habitantes desta vila, “sem distinção de classes ou de política”, diz o escrivão, “levantaram um grito de alegria, que manifestava pura e sinceramente o estado de uma alma. Nesse dia, o povo percorreu as ruas da vila, dando calorosas vivas a Sua Majestade, El Rei D. Luís Primeiro, e à Ilustre Casa de Bragança». Motivo?

Trata-se aqui da restituição do arquivo municipal o qual, em execução da lei de administração civil, fora removido para a então vila de Abrantes. O Concelho de Constância tinha sido suprimido pela primeira vez (a segunda supressão viria a acontecer em 1895) e anexado ao de Abrantes, pelo decreto de divisão territorial.

PUB

«Na manhã daquele dia o povo da vila e da freguesias rurais enchia a praça pública, que se achava cercada de bandeiras. Eram dez horas, achando-se o presidente e vereadores na sala das sessões da câmara (…) todos na suas respectivas repartições, quando deram entrada nesta vila, acompanhados por uma banda filarmónica marcial, e seguidos por um grande número de homens do povo, os arquivos do município. À sua chegada subiram ao ar inúmeros foguetes, e o povo rompeu em calorosas vivas e aclamações de entusiasmo pela independência deste concelho.»

Recebidos que foram os arquivos, ficou também exarado que «todas as autoridades eclesiásticas, administrativas e judiciais, os empregados públicos e o povo, dirigiram-se logo à igreja matriz desta freguesia, onde se cantou um solene Te Deum em acção de graças pela reintegração do Concelho de Constância.»

Na acta, em plena descrição eufórica, fala-se dum «estado de uma alma», a do povo de Constância. Porém, cerca de trinta anos mais tarde aquando da segunda supressão do concelho, face à apatia da população, seria graças à intervenção poética de um funcionário das finanças que o povo acordaria para a necessidade de restaurar o concelho e, diga-se em abono da verdade, foi o Conde de Arnoso que terá metido uma cunha ao Rei Dom Carlos. O pedido escrito da população entregue ao monarca foi a formalidade. Estes factos ouvi-os ao cronista Joaquim dos Mártires Neto Coimbra de saudosa memória o qual os registou na sua monografia da vila.

Citação da «República»

Na acta  o escrivão interino, como que em post-scriuptim (?) pôs ainda a população a dar «vivas à carta constitucional». Em artigo anterior já publicado por este jornal, de minha autoria, dei conta de uma série de factos que entendo, abonam em favor da tese de que a população de Constância foi partidária do Rei Dom Miguel  aquando das lutas liberais. A posição da então câmara de Punhete em 1836 (pedido para adquirir o título de «Notável» em razão de alegados factos ocorridos em Tomar em 1833)  – anote-se que estamos a falar de uma vereação prendada por uma rainha imposta em parte pela força das armas estrangeiras – só se poderia entender ao arrepio da factualidade descrita em registos militares aos quais se acrescenta  a própria memória de Dom Manuel Martinini o «Hespanhiol» publicada pela edilidade tomarense p qual, embora residindo na vila de Punhete,  arregimentou milícias fora dela para aclamar a filha do regente que nunca foi aclamado efectivamente rei de Portugal. A Crónica Constitucional do Porto, insuspeita na matéria, coloca a milícia que suspeitamos ser braço armado dos jacobinos, mormente, nos arredores de Punhete; e nós sabemos por outras fontes já reveladas que foi no… Seival,actual concelho de Barquinha que tudo se terá organizado à pressa… com pessoas aliciadas de várias partes.

Sabemos que há actas de Punhete do tempo da chamada «revolução liberal» com citaçóes a Dom João VI e à «carta constitucional», textos completamente riscados. A mossa pesquisa isso constatou. Constatámos, outrossim que num auto de eleição de dois vereadores de 2 de Janeiro de 1820 , por um despacho de um ministro que fica no cartório (cujo nome não se cita ali) «foi mandado «deitar-se pregão por toda a vila, para que todas as pessoas que têm servido na República viessem às Casas da Câmara para votarem em dois vereadores(…)». Pela contagem de votos que ficou exarada estiverem presentes 34 pessoas na votação. Sobre a referência à «República» em 1820, Caetano Beirão na sua História do Estado diz-nos que há provas da projecção de uma constituição duma República Ibérica e adianta que delegados da maçonaria do pais vizinho vieram a Portugal antes de estalar no Porto a dita revolução liberal. Mas há outros autores que dissertam sobre a ideia do iberismo e da república nesta época concreta.  Adiante…

Em 7 de Abril de 1821 a câmara de Punhete dirigia.-se ao «Soberano Congresso» nomeadamente da dita sessão  extraordinária resultante da revolução dando «felicidades ao soberano augusto congresso nacional» (ler diário).Havia na época em Portugal o governo militar de Beresford pois a corte estava no Brasil. Aconteceu que no ofício atrás mencionado da câmara de Punhete há uma crítica implícita a esse governo inglês quando se alude ao «monstro da anarquia», adita-se, «por não ter asilo neste harmonioso país».

Regressemos atrás….  à data de Janeiro de 1820 da tal eleição de vereadores de Punhete em que se refere em acta a palavra «República» parece que os revolucionários por aqui em terras lusas adoptaram uma constituição provisória espanhola originária do Triénio Constitucional de Espanha. Fracassado o liberalismo nos nossos vizinhos pessoas como Manuel Martinini fugiram de Espanha e vieram para cá prosseguir a sua senda jacobina. Este assentou em Punhete e casou com uma mulher da família Falcão.

Muito está por esclarecer mas, para mim, há uma conclusão óbvia: uma ala radical dos revolucionários, jacobina, acaso partidaria do «Sinédrio» teria adeptos em Punhete ainda que não fossem  todos dali necessariamente originários. Um deles, de Santarém,  teve cargos importantes no Reino e herança de um Conde…

Essa ala jogava nos dois tabuleiros consoante os ventos. É vê-los a participar voluntariamente na chamada «Guarda Nacional» a qual mais tarde não inspiraria grande confiança a Dona Maria II como se vê pela Gazeta de Madrid, excepto alguns casos como o de… Punhete. Algumas elites lutavam pela sua sobrevivência política o que é dizer-se… pela sua sobrevivência económica propriamente dita.

A mim não me interessa tanto a «razão » mas os factos que vão emergindo… Todos os jogos partidários só provam que o ser humano é fraco de convicções e forte em afirmações e que a maçonaria internacional conseguiu o seu objectivo ao afastar com coacção militar o Rei Dom Miguel. Para esta rede não interessava a questão jurídica da sucessão (Dom João VI, que morreu envenenado segundo pesquisa recente científica, não cita o nome do herdeiro no seu testamento), interessava-lhes sim, destruir a Igreja católica. É o Poder. E isto conclui-se, sem tomar partido de causas. Não é necessário chegar a tanto neste escrito.

José Luz (Constância)

Nota 1 – In Acta dos acontecimentos dos dias 16 e 21 de Janeiro de 1868, do arquivo da cmc.

Nota 2 – Actualizei a escrita.

 

 

PUB