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Com as últimas conquistas no território algarvio em 1253 e a consequente estabilização política do país, o rio Tejo assumia, enquanto eixo de comunicações, uma importância crescente. Este facto acentuou-se pela circunstância de Lisboa se ter tornado a capital do Reino e a sua principal potência económica. Dom Dinis ao promover as obras do Tejo e o seu sistema adjuvante, fundou Salvaterra de Magos e Muge, incrementando de alguma forma as navegações fluviais, facto a que não deixará de ser alheio o surto da capital lisbonense (1).

Dos portos do médio Tejo, Santarém, Abrantes e Punhete (2) eram sem dúvida os mais importantes. O sal, o peixe (seco, salgado, fumado ou fresco) e os panos, além de outros produtos de uso menos frequente, eram as mercadorias que subiam o Tejo desde Lisboa até aqueles portos. Para a capital transportavam-se madeiras, azeite, vinho, coiros, mel, cera, ferro e mesmo peixe do rio (sável, azevias, lampreias) (3).

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No ano de 1552, de 1490 barcos de navegação fluvial que existiam em Lisboa e nos restantes portos do Tejo, 180 pertenciam a Abrantes (100 eram de carreira e 80 andavam na pesca), 100 a Tancos, 120 a Punhete, Asseiceira e Carvoeira e 100 a Santarém, que constituíam os principais portos do Tejo (4).

Os produtos transportados seriam sensivelmente os mesmos do século anterior com uma novidade: a grande quantidade de melões provenientes das lezírias de Santarém e de Abrantes (5). O vinho que chegava a Lisboa por via fluvial, pelo que se depreende do «Pranto de Maria Parda», deveria ter muita importância e tomava o nome dos portos de embarque Santarém: Abrantes e Punhete (6).

A raiz de todo o desenvolvimento de Punhete esteve sempre, estou ciente, na sua privilegiada posição estratégica. Sabe-se, foi objeto de abundante legislação régia, sendo de referir que por alvará de D. Pedro I, Punhete era ponto obrigatório de embarque de todas as mercadorias daquela zona que se destinassem a Lisboa (7).

Abundante legislação se pode encontrar em seu favor, e mesmo contra. Por exemplo, numa carta do rei D. Pedro I, dada em 13 de abril de 1358 (era de 1396), o monarca, considerando que a vila de Santarém, «he huu dos boons e dos mjlhoores lugares do meu senhorio», e estava despovoada de «companhas» e de mais coisas necessárias para o serviço régio, resolve atalhar a essas carências. O lugar de Punhete era um porto ativo, o que causava prejuízo ao crescimento populacional de Santarém. Por tal motivo o rei ordenava: 1) «que nenhuas barca nom pasem de santarem pera cima com nenhuas mercadorias saluo com panos e com al que comprir pera mantijmento daqueles que esse mantijmento leuarem pera ssy ou pera outrem» (8)

Num documento encontrado na Chancelaria de D. João I tem-se notícia da atenção da Dinastia de Avis dispensada a Punhete, então Lugar. Veríssimo Serrão dá-nos a conhecer uma carta do monarca, dada a 23 de Agosto de 1390 a Afonso Pires, Juiz em Abrantes: «…Sabede que os homes boons e poboradores de punhett nos enviaron dizer antigamente que a memoria  dos homes non era em contrario per seus privilégios e seu foral que lhes foi dado… pelos rex os que antes nos foram E outrosy per  nos atee o tempo dora ouveram seus juízes e jurdiçam no dicto loguo de todollos feitos crimes…»(9).

Num relatório do espião castelhano Rui Dias de Vega ao rei Dom Fernando I de Aragão em 1415, este faz saber a Castela dos preparativos que em Portugal se faziam para-a conquista de Ceuta»: «(—) El Prior et los maestres mandan fazer sendas geleotas de sessenta rremos cada uma, salvo el maestre de Santyago. Et fazenlas en el ryo de Sesar, que es cerca de Punhete, et entra en Tajo aquel rio a syete leguas de Santarem (…)». (10)

Punhete, no início do século XVI, a recordar tempos passados, mantinha-se próspera, e continuava a atrair a atenção régia. Em outubro de 1505, aquando da deslocação de D. Manuel I, de Lisboa para Almeirim, por motivos da peste, parte da sua comitiva instalou-se ali; mais con¬cretamente, a 12 de Maio de 1507, quando se assentou a cisa dos vinhos de Lisboa, a corte encontrava-se em Punhete (11).

No ano de 1571, Dom Sebastião concede a Punhete «que seja vila», declarando-se no respectivo docu¬mento que no dito lugar já havia «casa e audiencia da camara e cadea e pelourinho com suas argolas e cepo e açougue» (12).

A Casa dos Sandes, senhores e alcaides do burgo e donos de quase todo o comércio no século XVI, crescera e atin¬gira um desenvolvimento tal que, em 1620, o filho de D. João, o Dou¬tor Francisco de Sande, já instituía, «com cabeça na sua casa da Torre e da Amoreira», o morgado de Punhete. (13)

José Luz (Constância)

(1)          Finisterra, Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa.
(2)          Decreto de 7 de dezembro de 1836.
(3)          Documentos para a História da cidade de Lisboa. Vide nota (1).
(4)          João Brandão, «Tratado da magestade, grandeza e abastança da cidade de Lisboa, na segunda metade do século XVI (estatística de Lisboa de 1552)», publicado por Braancamp Freire, com notas de Gomes de Brito, Lisboam, 1923.
(5)          Vide nota (4).
(6)          Gil Vicente, «O Pranto de Maria Parda».
(7)          Oliveira Marques, «Introdução à História da Agricultura em Portugal», 1968.
(8)          Chancelaria de Dom Pedro I, Instituto Nacional de Investigação Científica, Lisboa, 1984.
(9)          Chartularium Universitatis citado em apontamentos inéditos editados em policópia pelo Centro Internacional de Estudos Camonianos da Associação da Casa-Memória de Camões em Constância, então Associação Para a Reconstrução e Instalação da Casa-Memória de Camões em Constância, de autoria do saudoso Professor Doutor Veríssimo Serrão, Julho de 1991.
(10)        Arquivo da Coroa de Aragão, «Cartas Reales», in Monumenta Henricina. Vide nota (9).
(11)        Vide nota (9)
(12)        A.N.T.T., Chancelaria de Dom Sebastião, Privilégios, citada em «Casa de Camões em Constância, maria Clara Pereira da Costa 1977.
(13)        A.N.T.T., Registos  vinculares, Santarém, nº 21, vide nota (12).
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