O Natal faz parte do imaginário de todas as crianças. A ele andam associados o presépio e a ideia do pai natal. No tempo da minha infância era assim, pelo menos. Na véspera da Natal íamos à Missa do Galo e ao «madeiro» -a «fogueira» – ocasião de reencontro dos filhos da terra e de celebração da Natividade. Havia nestes «elementos» um sentimento de pertença a valores comuns. Somos cristãos e uma comunidade, um só Corpo. O nascimento de Jesus, O Filho de Deus, gerado e não criado, (já previsto nas entrelinhas de um texto dos manuscritos do mar morto, segundo opiniões de peritos) é o acontecimento central desta época natalícia. Natal, sem o nascimento de Jesus, não é Natal. Recentemente, uma Comissária da União Europeia com ligações à Irmandade Muçulmana (segundo acusações da França) tentou apagar quaisquer referências ao Natal e aos nomes das figuras do Sagrada Família nos documentos oficiais, sob o argumento de que nem todos serão cristãos…
A nossa matriz é judaico-cristã e sob ela assenta a nossa civilização ocidental. Uma só voz nada pode contra milhões e milhões de cristãos ou não crentes, que se revêem no Natal, nos seus valores e costumes tradicionais ou, no mínimo, os respeitam. «Em Roma, sê romano».
Sobre esta dita comissária de cujo nome me esqueci, só desejo que não surja mais nenhum disparate (há outros, graves, sobre os Direitos do Homem, que agora não vêm ao caso).
«Adelante».
O Natal na minha infância? Lá em casa, o presépio estava reservado para mim e a árvore de Natal também, em certa medida. Mas deixem-me falar do presépio da Igreja matriz. Era magnífico. O sacristão, o Zé Medroa, ia connosco ao musgo à Charneca. Perto da casa da Ti Rita, mais além do Moinho de Vento. As mantas de musgo, espessas, podiam arrancar-se da terra fria e enrolar-se em pesados tapetes que depois se colocavam nos cestos duplos da sua motorizada. Já na Igreja, era montada uma estrutura em madeira e panos a cobri-la, para dar relevo e forma ao presépio. Ao fundo, o velho castelo de madeira (que entretanto levou sumiço da Igreja), surgia altaneiro e bem característico. Havia o moinho do Helder, o «Botija», com motor, hidráulico (também ganhou asas, entretanto). Era motivo de grande atracção. Ainda hoje se fala disso. As figuras (quantas ganharam pernas…) – anjos, pastores, ovelhas, cães, fontes, casas, lavadeiras, patos, outros moinhos, outros pequenos castelos – eu sei lá – povoavam, vales e montes, e era uma alegria de todas as crianças e adultos ver aquele presépio. As ramagens e as bagas vermelhas hoje praticamente extintas, compunham o resto. Os caminhos eram feitos de serradura e neles se colocavam os reis magos. A cabana do Menino Jesus era feita de troncos.
Outro dos motivos que nos prendia magicamente ao Natal era a fogueira. Recordo-me de andarmos a empurrar raízes e troncos de oliveiras com o meu vizinho Carlos dos Santos Nunes e o saudoso Zé Pedro, até ao adro da Igreja. Empilhavam-se bastantes troncos com a força de vários homens e o braseiro, aceso com muito petróleo e jornais, era o orgulho da terra a rivalizar com o do Terreiro, de Montalvo. No final da Missa do Galo o adro enchia-se de conterrâneos e, mais noite adentro, não faltavam os devotos de baco… que pela sua vozearia eram bem identificados nas casas da vizinhança.
A Missa do Galo era à meia-noite. Momento alto e sagrado. Cânticos obrigatórios? Noite feliz, Terra Inteira, Gloria in excelsis Deo, Alegrem-se os céus e a terra, Adeste Fideles. Ao fole, tive muitas vezes a ajudar-me o sr Manuel Loureiro. O órgão de tubos era o nosso encanto. Jesus, a nossa adoração, a nossa crença. E, temos, então, os três requisitos que nos identificam aos cristãos: sentimento de pertença, Unidade/Corpo, a mesma crença.
Nos anos 30, a minha família morava na praça. Lá me casa, sempre me contaram, pelas nove horas da noite comia-se caldo verde. A ceia, era à meia-noite. Comiam bacalhau com batatas e couves, cozinhados num velhinho fogão de lenha. Doces? Fatias douradas (uma receita com segredo, que guardo), fritos de abóbora e coscorões.
Na minha infância, anos 70, passava horas à lareira da vizinha Cândida onde se faziam os fritos de Natal numa panela de ferro. Nesses dias santos, as vizinhas trocavam doces em travessas.
Em anos mais recuados havia na Vila a tradição da festa do Menino Jesus. A Imagem do Menino, ainda existente, era entregue a uma família durante um ano para se fazerem oferendas de vestes bordadas a oiro. No ano seguinte, essa casa passava o testemunho. Esta tradição levou a que existisse um espólio riquíssimo que inclui também roupa interior e uma cama, o qual está exposto na nossa matriz.
A última festa foi de pompa e circunstância e realizou-se sob os auspícios do ateu António Pirão, pai da minha prima Maria do Céu Pirão, casada com o meu primo Acácio Alves Costa. Talvez nos anos 40 ou 50?
Nos anos 90 foi descoberta na igreja matriz uma pintura mural, por ocasião de um restauro do altar de Nossa Senhora da Piedade, onde apareceu um fresco supostamente da Natividade de Jesus. Pode vislumbrar-se uma cabana? E até uma estrela de Vergina (?) Ao que se apurou na altura, haverá por lá uma data contemporânea do quadro de José Malhoa (de 1899). Columbano também trabalhou para esta igreja nesta altura, embora a sua obra acabasse por não figurar no templo.
É deveras singular a circunstância de ter existido em Constância uma estrela de Vergina. Sabe-se que a sua utilização até aos anos 70 do século XX se resumia a elementos decorativos. Ora, este ícone religioso em Constância, aparenta ser mais do que isso. Um símbolo religioso? Da Virgem Maria? O Sol (Jesus)? O fresco será da Natividade? Há que estudar o assunto. E inserir este tema na história da nossa igreja. A cristianização de um símbolo da realeza macedónica?
José Luz (Constância)















