A ideia da criação de um orfeão em Constância começou a surgiu em conversas que tive com o maestro Carlos Amadeu Saraiva Silvares de Carvalho (antigo sócio do CEV que anda esquecido). Dele guardo religiosamente uma carta de 1982 a incentivar a formação do orfeão, com vários conselhos de mestre. O projecto, porém, só seria tornado realidade, no primeiro semestre de 1984, através do Clube Estrela Verde de Constância. O presidente da direcção da altura era o advogado Carlos dos Santos Nunes, afilhado do pintor Joaquim dos Santos, o qual desde cedo resolveu apoiar a iniciativa que lhe propus mais a coralista Ana Paula Cunha. Relembro que nos anos 40 o maestro Carlos Silvares já tinha formado um orfeão no mesmo edifício do actual clube, grupo em que participou por exemplo o pintor Fernando Santos, irmão do outro pintor
Os primeiros testes de admissão dos coralistas de 1984 decorreram no antigo cine-teatro tinha eu ainda a idade de 16 anos. A adesão foi total. Aderiram então cerca de 30 pessoas.
Influenciado pelo repertório religioso e após troca de impressões com o padre João Rodrigues Vermelho, decidi investir em canções populares maioritariamente natalícias, de vozes paralelas e, em alguns cânones (melodias desencontradas).
Os ensaios começaram de imediato na antiga Aula Falconina, na sede do Clube. Constituídos os quatro naipes de vozes iniciei religiosamente uma disciplina de trabalho.Havia chamada, contagem, preparação vocal, aprendizagem coral por naipes, junção de naipes e um curto intervalo para irem ao bar do Clube no primeiro piso. E, mais tarde, decorreram ainda aulas de formação musical básica.
A inauguração do Orfeão de Constância (Grupo Orfeónico Estrela Verde) veio a acontecer na Igreja da Irmandade da Misericórdia, precisamente no dia em que se costuma comemorar o aniversário do Clube. Era grande a novidade e a expectativa.
Fizemos o aquecimento vocal na sacristia, com o tecto completamente escorado e em vias de abater (na altura a Mesa Administrativa cujo Provedor era o Sr Aurélio Dias Nogueira procedia a obras de recuperação).
Recordo com particular emoção aqueles momentos e o concerto inaugural. A igreja estava cheia e conseguimos o agrado geral. O padre Vermelho foi orador e associou-se ao evento.
1984 era um tempo em que a vila ainda preservava parte significativa da sua população tradicional. Todos os cerca de trinta coralistas tinham raízes em Constância de uma maneira em geral. O ambiente era efectivamente o de uma comunidade.
A mobilização dos coralistas para adoptarem rotinas e disciplina coral constituiu um objectivo bem sucedido. Aquando da inauguração eu já tinha 17 anos. O Orfeão era composto por pessoas até aos 80 anos, havendo uma maioria de idosos. Recordo-me do Sargento Porto, meu primo, já octogenário então.
1984 foi também o ano em que inaugurámos no Clube o nosso primeiro Conjunto Musical de baile “Estrela Verde”.
Este orfeão mobilizou e formou algumas dezenas de coralistas durante cerca de três anos. No ano de 1985 fui convidado pelo então presidente da direcção, José Ramoa Ferreira de saudosa memória, a ouvir alguns singles e álbuns com canções sobre poemas de Vasco de Lima Couto. Estas tertúlias deram aso a que viessem a integrar no repertório do orfeão algumas composições que harmonizei com temas de António Sala, Gina Maria, Verónica (mulher do maestro Jorge Machado da orquestra ligeira) e outros autores. Os nossos concertos chegaram ao Concelho de Abrantes, Vila Nova da Barquinha, Tomar e Lisboa, com chave de ouro no Palácio das Galveias, pelo menos.
O orfeão interpretou ainda peças dos compositores Manuel Faria, Joel Canhão, Fernando Lopes Graça, Mozart, a título de exemplo.
O nosso orfeão interpretou algumas composições inéditas de minha autoria, criadas para a Proposição de “Os Lusíadas”, composições escrutinadas pelo professor de composição António Guimarães Duarte. Naquele tempo não havia a facilidade de hoje na divulgação de som e de imagens. Fica o registo sobre os factos…
Passados que são 37 anos sobre esta inauguração olhamos para trás e reparamos que muitos dos nossos coralistas já partiram, e é grande a saudade que fica e a ternura.
O orfeão constituiu um meio eficaz e um espaço de socialização numa comunidade do interior em que ainda se estava à lareira e só havia dois canais de televisão. Nem toda a gente tinha televisão. Quantos não iam ver TV para casa de um vizinho? O telefone? Poucos havia. Estas contingências tornavam as pessoas mais próximas, mais solidárias e menos egoístas? É um tema interessante…
Neste aniversário do Clube Estrela Verde de Constância recordo que o Clube tinha herdado hábitos do tempo da Legião Portuguesa (o edifício foi cedido por testamento para usufruto de escola feminina por Jacintho da Silva Falcão), com os seus espaços de entretenimento. Havia sala com TV, de jogos de cartas, biblioteca, bar, sala com ping Pong, snooker.
As nossas festa eram feitas com a prata da casa: fanfarra dos bombeiros, deporto do CEV, conjunto musical do CEV, orfeão do CEV, grupo de teatro do CEV e grupo de variedades do CEV.
A noite em Constância era passada no Clube. “Onde vais? Vou para o clube” era recorrente ouvir-se.
A colectividade mobilizava a população da Vila.
E cumpria uma função insubstituível de socialização.
O associativismo é a agregação livre dos cidadãos, por forma a prosseguir objectivos sociais, de forma democrática, sem interferência das autoridades públicas na sua gestão.
As nossas actividades e funções não eram subsidiadas pela Câmara Municipal de Constância. Todo o trabalho era voluntário. Os estatutos do Clube proibiam expressamente a ingerência política.
O clube, hoje, adaptou-se a uma nova modalidade desportiva e tem feito os seus créditos. Mérito da direcção e dos jovens atletas. Mas a chamada socialização e solidariedade entre gerações não é mais a mesma.
A comunidade mudou e os tempos são outros?
As novas gerações em geral não foram educadas para a solidariedade nem para o esforço e sacrifício pessoais. Essa é uma questão cultural que só os pais podem inverter.
Há jovens que conseguem passar horas numa esplanada a beber cerveja a quem não passaria pela cabeça ter de abrir o clube todos os dias, varrê-lo, servir no bar e depois ir ensaiar um orfeão, um conjunto, ou teatro, regressando a casa de madrugada. Vocês sabem lá!
José Luz (Constância)
PS- não uso o dito AOLP















