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A morte do jornalista Max Stahl traz-nos à memória a missão «Paz em Timor» do ferry boat «Lusitânia Expresso», em 1992. A embarcação desafiou na altura a autoridade Indonésia e foi notícia mundialmente. Nela viajava Meira Burguete, jornalista de Constância, então director do diário «Macau Hoje»  e, mais tarde, cronista do jornal «Gazeta do Tejo».  Na sua vivenda de Constância (antiga propriedade do Conde de Tomar)  chegámos a trocar impressões sobre a viagem que contou, como é sabido, com uma figura de relevo  da nossa democracia, Ramalho Eanes, ex-Presidente da República.

Para avivar a memória, recordemos que os promotores da viagem do «Lusitânia Expresso» a Timor, da revista «Fórum Estudante», pretendiam sensibilizar a opinião pública internacional para a causa de Timor. A bordo estiveram ainda estudantes de 23 países, 25 jornalistas portugueses e 34 estrangeiros.

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Na cerimónia de evocação dos 25 anos do «Lusitânia Expresso» e da «Fórum Estudante», o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,  chegou a afirmar que “não houve uma portuguesa, um português, que não tivesse vibrado convosco, com a vossa audácia, com a vossa coragem, com a vossa juventude, com o vosso destemor”.

Correndo o fita do tempo, sabemos que meses antes da iniciativa da Fórum, mais concretamente  a 12 de Novembro de 1991, Max Stahl,  jornalista britânico agora falecido,  filmava o massacre de Santa Cruz. Essa coragem e ousadia acabaram por contagiar os promotores da viagem até Timor, impulsionados pela única e verdadeira  «voz dos timorenses, nesse tempo de trevas» – tomando de empréstimo a expressão a Rui Marques, responsável pela missão. À data dos factos encontrava-me a chefiar a redacção do «Jornal de Abrantes» e vivi, como qualquer jornalista da época, o desenrolar dos acontecimentos, num tempo ausente de internet.

O relato que mais tarde ouvi a Meira Burguete, director do diário «Macau Hoje», sobre os factos de 1992, em nada difere  do essencial do que é sobejamente conhecido pela opinião pública, com um senão: quer Meira Burguete, quer Eanes, não temeram uma eventual repressão militar física por parte dos indonésios.  Os receios que sentiram não os tinham impedido de embarcar donde, o cenário da captura, nunca esteve afastado. O espírito era de aventura e de bravura.

O barco foi interceptado a 11 de Março de 1992 (malfadado 11 de Março…), quando realizava a sua última etapa, após largarem de Darwin, três dias antes. Nessa etapa foram sendo sobrevoados por aviões indonésios e, inevitavelmente, acabaram impedidos de entrar nas águas territoriais de Timor (sob administração portuguesa à luz da ONU) por navios de guerra indonésios. A coroa de flores que intentavam colocar no local do massacre, acabara lançada ao mar, em memória dos mortos de Timor-Leste. E o «Lusitânia» foi obrigado a regressar a Portugal continental. «Eh pá! Olha, e, depois, voltámos para trás. Eh !, Eh!», rematava Meira Burguete, sem perder muito tempo com descrições, homem de síntese e de ironia, que sempre foi.

Tenho aqui à mão um dossier digital que dá pelo nome de «DOCUMENTS ON EAST TIMOR MASSACRE FROM PEACENET AND ASSOCIATED NETWORKS», o qual inclui por exemplo, as notícias da «Reuters» sobre o assunto. Numa delas, intitulada «barco da paz desafia Indonésia», consta o testemunho do nosso conterrâneo: «Porque é que a Indonésia está a enviar navios da marinha para conhecer o barco, estão a planear matar-nos? perguntou Meira Burguete do Macau Hoje jornal. “Ao elevarem a tensão (os indonésios, leia-se) estão a atrair mais atenção do mundo. Dizem que o barco não está a cumprir a lei internacional ao vir para Timor Leste, quando eles próprios estão em incumprimento por estar em Timor-Leste quando as Nações Unidas dizem que devem sair.”

Sob outro título, «Ameaça militar indonésia para evitar desembarque», reproduziam-se  palavras idênticas do nosso conterrâneo.

Meira Burguete nasceu em Constância em 1931. É autor de várias obras, entre as quais, «O caso de Rio Maior» onde, segundo a crítica do blog «Cidadãos por Abrantes» escreve sobre o «levantamento nacional anti-totalitário (Manuel Alegre) contra o «anarco-populismo» (Zenha).

Foi notário no continente e em Macau e colaborador da imprensa. Em Macau fundou o Diário «Macau Hoje». Mário Soares escolheu-o para adjunto de um Governo Provisório e suspendeu-o do partido, devido a divergências com uma linha trotsquista…

Em Constância, Meira Burguete, nos anos 50, escreveu a revista «Constância é assim».  Chegou a ser Provedor da Misericórdia (2000) e colaborador da Gazeta do Tejo (anos 90). Faleceu nas Filipinas, embora tivesse feito diligências para acabar os seus últimos dias em Portugal, o que não conseguiu, para frustração sua.

Já numa fase terminal da sua vida ainda escrevia no facebook (só com uma mão, devido  a uma limitação física).  Foi colega do meu saudoso pai na escola primária e chegou a trabalhar com o meu avô materno, Carlos Silvares de Carvalho, nos teatros e operetas.

A sua morte passou inicialmente despercebida e tive de mandar uma nota para o município.

Todas as pessoas que se cruzam connosco ao longo da vida, deixam uma marca. De Meira Burguete, saibamos enaltecer o espírito crítico, de homem livre, desinteressado, mesmo quando não se concordava com ele. Quem somos nós para julgar

José Luz (antigo Director da «Gazeta do Tejo»)

PS – não uso o dito AOLP

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