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Esta sucessão de crises, em especial o aparecimento de um vírus mundial da magnitude do que vivemos, ensina-nos que o modelo do capitalismo selvagem em que o planeta assenta a sua construção social está esgotado. Falhou no passado, falha hoje e vai voltar a falhar na resposta à humanidade enquanto um todo.

Empresas maiores que Estados, bancos privados a financiar economias de Países, Nações subjugadas a boards de multinacionais, o Coletivo debaixo da mão de um magnata, o NÓS sob a batuta do eu.

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Quando as crises são meramente económicas há sempre a desculpa que alguém errou, que alguém deu passos maiores que a perna, que alguém roubou, que alguns (muitos milhões) andaram a viver acima das suas possibilidades… tudo menos assumir que o capitalismo não permite o desenvolvimento sustentado, não permite a defesa do Ser Humano e muito menos do ambiente e do Planeta.

É muito fácil, quando as coisas estão bem, afirmar que o estado é um monstro que se intromete em tudo o que não deve, que é um entrave ao desenvolvimento, que asfixia a economia e retira valor para em seguida o distribuir por aqueles que “nada fazem”. Mas é ainda mais fácil, em tempos de crise, os mesmos, que no passado se apressavam a defender o estado mínimo, pedirem o estado máximo. Pedirem que todos nós, ou seja o Estado, sejamos solidários, nos intrometamos na economia para a salvar.

Esta crise, como coloca todos no mesmo barco (embora em camarotes diferentes), deixa ainda mais à vista a fragilidade de um sistema que nos levou a acreditar que todos podemos ter mais do que precisamos, se nos esforçarmos para isso. Esquecendo-nos que quando o dinheiro deixa de poder comprar torna-se um mero pedaço de papel sem valor.

De que vale o dinheiro se ficamos doentes e não podemos comprar a saúde de volta? Como diz Dalai Lama: “Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde”.

Não deixa de ser com um toque de ironia que em países como Itália ou Espanha, onde a escolha de quem vive ou quem morre se “resume a critérios de idade”, deixa de interessar o que temos no banco, o que juntámos e nunca nos fez falta, mas que poderia ter sido utilizado no que verdadeiramente faz falta, que poderia ter sido utilizado para reforço dos serviços de saúde e permitir que estes dessem a resposta que todos precisamos.

Fomos andando, de crise em crise, de crescimento em crescimento, sempre com os vendilhões do templo a segredarem-nos ao ouvido que a saúde tem de ser racionalizada, que a educação tem de ter mais alunos por turma, que é natural trabalhar 24 horas por dia e 7 dias por semana apenas para viver… que este é o modelo económico que nos vai permitir a ascensão social através da competitividade. Cresce, cresce, cresce sem parar mesmo que isso signifique que os que te rodeiam se resignem a sobreviver para te sustentar.

Uma cortina de fumo que perante o abismo se transforma em apelos para que o estado estenda a mão, para que os cidadãos seja solidários, para que todos contribuam…

Nestes momentos necessitamos de liderança, necessitamos de discernimento, necessitamos de afeto, de solidariedade, de humanidade… Quando estamos doentes precisamos de tratamento, quando estamos tristes precisamos de um ombro, quando estamos perdidos precisamos de quem lidere.

Sim, a solidariedade e liderança que os profissionais dos serviços de saúde mostram ao se apresentarem todos os dias na linha da frente deste combate, tal como tantos outros trabalhadores que continuam expostos ao perigo para que muitos outros possam ficar na segurança dos seus lares, recordo os vários serviços da autarquia que nunca pararam para que a cidade continue a ser um local para todos.

Sim, a solidariedade e liderança que o Primeiro-ministro de Portugal mostrou ao qualificar o pensamento do ministro das finanças holandês de repugnante. Quero acreditar que se tratou de uma manifestação motivada pelo medo ou pelo pavor que tolda a ação de muitos e não por qualquer reminiscência de ideais supremacistas de outros tempos. Felizmente que por cada um que “cai” vitima de uma mente pequena e fechada, logo o vizinho lhe estende a mão e o ajuda a levantar.

A solidariedade e liderança que um amigo me mostrava ao dizer: “não deixa de ser curioso que numa situação destas tenho mais medo pelos outros do que por mim próprio” – quando me dizia que estava numa demanda para convencer os seus vizinhos anciãos a não sair de casa e a não receberem visitas.

A solidariedade e liderança dos que sempre souberam o que é humanismo, independentemente da sua posição ou condição social, e se mobilizaram para, com as suas armas, combaterem o vírus sem deixarem desvanecer o conceito de comunidade. E desta forma sem deixarem esquecida a sua economia comum, cortaram foi nas suas gorduras… os vendilhões do Templo que já Cristo tinha expulsado faz mais de dois mil anos.

Esta consciência da maioria da população permitiu adotar comportamentos facilitadores do combate à doença. Por exemplo a redução em 50% dos atendimentos hospitalares, libertando recursos fundamentais. O autoisolamento, procurando contrariar o contágio comunitário. Ou a criação de cadeias de distribuição casuais, um pouco por todo o país, permitindo a entrega de bens e serviços àqueles que mais necessitam.

Todos eles heróis que permitem travar este combate e restabelecer o nosso sentido de comunidade, em tempo de isolamento estamos a construir as fundações de uma verdadeira comunidade e como dizia Zeca Afonso “sem ter em frente um capataz”.

Não sei o que se segue. Não sei o que este vírus nos fará. Não sei o que as consequências que a crise financeira que se segue terá na sociedade, em especial nas democracias.

Sei apenas que não nos podemos resignar a ficar sentados a olhar o Tejo enquanto se grita aos sete ventos que tudo vai mal, qual Velhos do Restelo do Séc. XXI e quero acreditar que na volta dos tempos esta profunda crise humana sirva para construirmos uma sociedade assente nos pilares da solidariedade, do respeito pelo próximo e do respeito pelo ambiente e pelo planeta.

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