A nossa vila, à semelhança de tantas outras terras desta pátria lusitana, ostenta nos seus anais um pequeno historial relacionado com pestes e febres que foram geograficamente avassaladoras.

Temos por exemplo notícia do refúgio em Punhete (antiga designação de Constância) de El Rei Dom Sebastião por causa da peste negra, o qual habitou o antigo palácio da torre. Este velho castelo onde uma não interrupta tradição coloca o desterro de Camões, era propriedade da família dos Validos do rei (infelizmente, estas ruínas não motivam ainda o interesse cultural local dos doutos poderes instituídos). O monarca terá ali permanecido algum tempo em isolamento local, como nos dão conta Veríssimo Serrão, Maria Clara Pereira da Costa, Veríssimo José D´ Oliveira e outros autores considerados. Por ocasião dessa estadia foi instituída pelo monarca a Real Confraria de Nossa Senhora dos Mártires (ou dos Milagres…) da imediata protecção régia. Quantos agradecimentos não terá feito o monarca à Senhora dos milagres em Punhete, onde se livrou da «peste grande»?…

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Enfermaria do antigo hospital de São João da Irmandade da Misericórdia de Constância, possivelmente do tempo da «pneumónica» (?)

Uma outra personagem histórica ,o «Sapateiro Santo», também aqui se deslocou por ocasião da peste, tendo sido admitido pela população mas em degredo forçado por dez dias . Durante três dias este «Santo», de Tomar, escreveu em Punhete uma «Lamentação» como Jeremias, «muito sentida» e, «muito espiritual», de três folhas de papel, sobre a cidade de Lisboa e as misérias que assolavam o miserável povo. Parece que o homem que terá intercedido junto do Rei Dom Sebastião para fazer do lugar de Punhete, vila, dizia que «o céu está fechado», visão que só terá sido alterada com a vinda do Natal. Isto a fazer fé no seu biógrafo.

Sobre os sintomas da peste maldita é conhecido um dito, atribuído à mãe de D. Luís Coutinho de Almourol: «que ardia mais a pele, e se tinha menor esperança de cessar».

A vida de Simão Gomes, o «Sapateiro Santo» pode ser consultada na obra do seu biógrafo, de 1625. Simão Gomes, revela-nos o jesuíta Manuel da Veiga, tinha aqui parentes e amigos.

A escolha de Punhete para lazareto por parte do monarca que acabou por pereceu no norte de África ter-se-á devido a vários motivos sendo um deles, cremos, a pureza dos ares locais.

Existem algumas topografias médicas sobre Punhete editadas por volta de 1820 pela Universidade de Coimbra. Nesse período ocorreu a epidemia da cólera. Por um registo inglês mais ou menos contemporâneo temos notícia que as casas da vila (ao tempo do liberalismo portanto) não ofereceriam condições algumas de salubridade.  As invasões francesas lá terão a sua culpa..Estes dados soltos nada revelam por si só. Apenas os inventario para mais tarde os explorar.

No primeiro quartel do século XX e a expensas do médico Dr Francisco da Costa Falcão foi construído o Lazareto o qual não terá sido utilizado, ao que nos consta., por desnecessidade. Aqui se instalou provisoriamente a primeiro quartel da GNR e funciona actualmente uma agência funerária. O edifício é propriedade da Irmandade da Misericórdia, associação pública de fiéis.

Nos anos 40 ou 50 (?) se a memória dos registos não me falha a Comissão Concelhia do A.N.T. e o Dr Carlos de Azevedo (?) procuraram construir um dispensário anti-tuberculose na zona de Preanes. Recordo-me que existem na Santa Casa as actas da Comissão Municipal de Assistência as quais poderão trazer luz sobre este tema (?).

Na reprodução anexa (fotocópia de uma foto da SCMC que colori através do telemóvel) pode ver-se a enfermaria do antigo Hospital de São João, de Constância. Possivelmente ou certamente, acolheu moribundos da pneumónica. Só através de uma nova consulta documental ao riquíssimo acervo da SCMC – actas e registos da época – o poderemos confirmar. Já li transversalmente todos os documentos da época mas é muita informação e há que seleccionar…

O meu saudoso pai, Acácio Alves Luz, antigo Sargento Chefe da EPE, nasceu neste hospital há 89 anos (23 de Agosto de 1931). Tenho a cédula a atestar esse facto.

Há cerca de cem anos atrás a gripe espanhola (que os locais designavam de má memória por «pneumónica») não deixou de, inevitavelmente, afectar o nosso concelho. Dados estatísticos revelam um decréscimo de 20% na população da freguesia de Constância a fazer fé na wikipedia , estatística essa a que não teria sido alheia também a 1ª Grande Guerra (?).

Programa dos festejos para angariação de fundos para um dispensário anti-tuberculose.

Há, porém, um episódio local curioso em torno da «pneumónica» sobre o qual dei recentemente curta nota no grupo «Amigos de Constância», no caso, através da rede social facebook. Até há umas décadas atrás (anos 70 e 80) falava-se de um xarope natural que diversos locais usaram para se curar dessa «peste». É caso. A minha avó paterna, Flora da Luz, «safou-se da pneumónica» com esse xarope que os antigos aqui usaram. Essa história contou-a à minha mãe a qual ma passou. Nas tertúlias que passei amiúde com várias anciãos e anciãs cá do burgo falávamos disto e só porque estamos em maré de pandemia me ocorreu à memória tal registo. Na sequência dessa publicação que «postei» no grupo que administro na net tenho vindo a ver confirmada a sua existência e aplicação locais (trocamos comentários no grupo e mensagens através do messenger). Nos contactos entretanto estabelecidos por causa da dita receita/mezinha pude verificar que o xarope não só ainda é do conhecimento dos nossos conterrâneos, como já afirmei, como até teria sido recomendado o seu uso pelo Dr José Eugénio de Campos Godinho, enteado de outro médico, o Dr Ludgero . Este último, tendo sido mobilizado para a Grande Guerra, acabou por ficar no nosso território. Valeu-lhe então uma «rebelião» local porquanto a população da vila rebelada, tocando o sino a rebate. mobilizou-se em força e os protestos ecoaram em Lisboa. Não tendo à mão mais apontamentos de momento, contudo, trazer algumas achegas. Sabemos que a mulher do Dr Ludgero tinha sido viúva do republicano e antigo administrador do concelho e que a sua nora era neta de um Governador Civil.

Retornando ao «milagroso» deixem-me dizer-vos que desde pequeno que sabia das propriedades desta mezinha do xarope, o qual tem ingredientes que terão sido usados no Brasil ao tempo da dita «peste». Por uma pesquisa leve que intentei parece-me que há neste xarope raízes africanas mas deixo esse apuramento para outra altura mais propícia…

José Luz

(Constância)

Post Scriptum – Existe um caso confirmado de Covid-19 que já terá tido alta hospitalar em Coimbra (segundo alguma imprensa) no caso, um idoso de 80 anos com domicílio fiscal em Montalvo (Concelho de Constância). Deus queira e nos guarde sempre nesta «hora» de urgência nacional.

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