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A professora e historiadora Manuela Poitout apresentou este sábado à tarde num Centro Cultural do Entroncamento esgotado com personalidades públicas, familiares, colegas e amigos o seu mais recente livro Cronologia do Entroncamento: da Pré-História ao Final do Estado Novo. Trata-se de uma obra absolutamente impressionante e enciclopédica sobre a História do Entroncamento até abril de 1974, bastante ilustrada com “fotografias da época” e documentos históricos, fruto de uma investigação criteriosa, apaixonada e exaustiva da antiga docente de Português e Francês da Escola Dr. Ruy d’Andrade e, é justo referi-lo, do notável trabalho gráfico e de artes de Joana Geraldes, autora da composição da capa e da paginação. Com ele, o livro, que é praticamente um must sobre tudo o que houve que merecesse a pena ser registado no Entroncamento até 1974. Além de ser muito bom e necessário para um conhecimento mais profundo da nossa cidade, é também muito bonito.

Francisco Fanhais cantou ontem no Centro Cultural na apresentação do livro de Manuela Poitout Foto MF Vicente

No início da cerimónia de apresentação da Cronologia, Jorge Faria, presidente da Câmara do Entroncamento, município responsável pela primeira edição da obra, sublinhou o carácter e as qualidades humanas da mulher, cidadã, professora, historiadora e investigadora que é Manuela Poitout, e referiu o importante contributo que Cronologias passará a ter na história da cidade, realçando ainda o envolvimento e o contributo do município nesta edição de 500 belíssimos exemplares com quase 700 páginas impressas em papel de elevada qualidade. No prefácio do livro, de que foi autor, Jorge Faria, foi também mais além na revelação das razões de ser de Cronologias: “Desde que a Professora Manuela Poitout nos apresentou este projeto, a Câmara Municipal expressou total interesse e empenho na sua concretização, pois a documentação e sistematização de muita informação dispersa e em vias de poder ser perdida ou delapidada é fundamental para o conhecimento da nossa história e de quem somos”, referiu Jorge Faria no prefácio e destacou-o na apresentação do livro.

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“Uma obra desta natureza não é, nem poderia ser, da autoria de um jovem ou de uma jovem! Só poderia ter sido escrita por alguém com muita maturidade, por uma pessoa que acumulou saber e muitos conhecimentos ao longo de uma vida cheia, completa e repleta de amizades, de escuta da sabedoria oral dos mais antigos, amassada na prática de muitos anos de docência, em contacto com os mais novos, a quem teve sempre como objetivo primordial, para além de muitas outras coisas que atualmente nos impõem, a transmissão de conhecimento às gerações mais novas”, afirmou logo no início da sua intervenção o professor Luís Batista. Ele próprio historiador e profundo investigador da história do Entroncamento, Luís Batista sublinhou três qualidades essenciais de Cronologias: rigor, qualidade e excelência. “Quanto ao resto, a autora seguiu o caminho normal do historiador avisado: investigou em arquivos e bibliotecas, cruzando informações que os mais variados tipos de fontes documentais lhe fizeram chegar, tendo sempre presente a máxima – ‘A História faz-se com documentos’, sejam eles escritos ou de outra qualquer natureza”, acrescentou. O docente quis ainda recordar na sua intervenção o arqueólogo João Pires Catarino, um entroncamentense nascido em Fratel (Vila Velha de Ródão), amigo da autora e que teve também o seu contributo no livro. Notando que a cidade precisa de um museu sobre si própria, porque ela “não se restinge apenas aos comboios”, Luís Batista dissertou ainda sobre alguns aspetos complementares ao livro, nomeadamente com referências à Atalaia, Ponte da Pedra, Golegã e aos Casais das Vaginhas, mostrando um domínio profundo nesse enquadramento. “Um grande bem-haja, Manuela, pelo seu trabalho pioneiro e colossal”, concluiu Luís Batista.

“A Cronologia começa muitos anos antes desta terra ser Entroncamento, de ter sido desvirginizada pelos caminhos de ferro e de acordar para a sua primeira inocência com os silvos das suas vigorosas locomotivas a vapor e a azáfama e a agitação em torno dos primeiros tempos da ferrovia, era a pequena urbe ainda parte integrante de Vila Nova da Barquinha, e vinham os comboios desafiar a hegemonia dos barcos Tejo abaixo, Tejo acima, que o Tejo era então a estrada que mais andava”, referiu o jornalista Manuel Fernandes Vicente (autor destas linhas), que defendeu que esta obra também poderia ser já considerada o Romance do Entroncamento, tal o seu alcance e a forma como o retrata. “Um aspeto surpreendente e até paradoxal desta Cronologia é o facto de a partir de um formato muito factual, austero, algo formal, minimalista e até um pouco cru, como é suposto que seja uma cronologia, um rol de eventos organizados pela mera passagem do tempo, a Manuela tenha conseguido dar o golpe de asa, até mesmo a proeza, de ter conseguido um livro que tem histórias, corre fiel pelo leito do tempo, sim, mas também assume uma alma”, acrescentou. “Pela Cronologia passam marcos históricos, mas também saborosas e pitorescas histórias que lhe acrescentam e apimentam com curiosidade alguns trechos, e que a Manuela sabe contar de uma maneira muito própria e que encanta”, concluiu o jornalista.

Depois de uma reflexão histórica sobre o que é o formato de uma cronologia, e as perspetivas que apresenta perante os diferentes historiadores, e ilustrando com vários exemplos surgidos na região (como Abrantes, Vila Nova da Barquinha, Tomar e Torres Novas), o docente e também historiador Carlos Ferreira referiu algumas publicações sobre memórias locais e regionais e outras ligadas aos caminhos de ferro e fez a sua própria reflexão sobre as Cronologias de Manuela Poitout. “Prima por uma grande honestidade metodológica, pela procura exaustiva e diversificada de fontes que, muitas vezes, cruza e interpreta, não se restringindo só à transcrição, como acontece na generalidade das cronologias. As notas de rodapé são exemplo disso mesmo”, observou Carlos Ferreira, assinalando o modo como o livro retrata “o modo como no Entroncamento se repercutiram os acontecimentos nacionais”. É um “Livro de Compromissos” e um “Legado”, que ficam, “um trabalho que perdurará por muito tempo, que se tornará de consulta obrigatória para futuros investigadores. Será um auxiliar indispensável para qualquer trabalho futuro sobre o Entroncamento”, rematou o docente.

Emocionada, grata e acarinhada pelo muito público afeto presente, a professora Manuela Poitout agradeceu a todos, e contou algumas

vicissitudes por que passou o seu trabalho e a produção do livro, para a qual também Joana Geraldes acrescentou alguns detalhes e observações. O momento já tinha tudo para se tornar de congregação entre a autora, os que mais de perto colaboraram na sua concretização e o público presente, mas Francisco Fanhais, o cantor e antigo padre, que nasceu na Praia do Ribatejo, viveu no Entroncamento, e reside atualmente em Alvito, também quis contribuir para esse ambiente com o espírito de abril já no ar. Amigo de longa data de Manuela Poitout, e convidado pela autora para oferecer o seu contributo musical, Francisco Fanhais, que é também o presidente da Associação José Afonso, não deixou os seus créditos musicais e cívicos por mãos alheias e interpretou algumas das canções que contribuíram para a sua imagem de ser um dos vultos maiores e mais coerentes das canções de intervenção antes da Revolução dos Cravos de 1974. E, refletindo sobre elas, e o seu conteúdo, não deixa de ser extraordinário que, goste-se ou não, muito do seu teor em relação a injustiças e desigualdades continuarem a sentir-se. Mantêm-se pertinentes, sim, tal como o seu timbre cristalino e sentido, que já me encantava há 50 anos e mais, e nunca desmereceu…

Manuel Fernandes Vicente

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