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No próximo mês de Outubro decorrerão 195 anos sobre a conclusão da obra da «estrada nova» e da «Ponte de Punhete» (Ponte de Santo Antoninho, de Constância), do primeiro quartel do século XIX, a qual decorreu ao longo de 15 meses.  Quase dois séculos depois deste verdadeiro ordenamento da margem  do «rio» (Zêzere) e da própria vila, trazemos à tona essa memória escrita.

De acordo com o relatório da Repartição das obras públicas, publicado em Novembro de 1826 no jornal oficial, o comprimento da estrada foi de 1:200 braças (medida antiga de comprimento com 2,20m, segundo a wikipédia), o que perfaz 2640 metros, desde a margem do Zêzere, até diante da ponte, a qual «é de alvenaria, com um grande arco de cantaria, tendo na entrada um padrão bem construído» (ponte entretanto conhecida pelos locais imemorialmente por, Ponte de Santo Antoninho,  anotamos). A importância geral da despesa «subiu a 7:059,182 réis» os quais, é dito, «saíram «do produto do imposto dos cereais estrangeiros».  Deixo a conversão para os melómanos…

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Constância numa Aguarela de Casanova. 1883. Reprodução de original de Vicente Themudo de Castro. Com bom reparo, notam-se os contornos da dita «estrada nova» pelo centro da vila, à esquerda.

Esta obra, iniciada em Junho de 1825, obteve a sua conclusão em Outubro do ano seguinte e foi assumida oficialmente como «de grande importância» devido às cheias invernosas do Tejo que «impediam o trânsito, cobrindo a porção de estrada antiga, que ali existia». Com este investimento deu-se nova direcção à estrada, pelo centro da vila de Punhete, «sem causar prejuízo aos seus habitantes», anota-se no relatório. As intervenções à época consistiram numa grande porção de calçada ao lado do Zêzere, explicando-se que «foi preciso profundar o terreno em vários sítios, fortificando ao mesmo passo, uma considerável extensão da barreira daquele rio». No relatório detalha-se que em vários pontos «foi preciso levantar paredes para obstar ao precipício dos viandantes, e em outros a fim de evitar atoleiros, se fizeram 1:114 varas de calçada»; uma braça (2,20m) dividia-se em 2 varas segundo a wikipédia. O relatório contempla ainda outros detalhes, a não descurar: na totalidade da obra empregaram-se «912 braças de alvenaria», «2486 de rocha cortada», «1938 de entulho», «2700 de desentulho», sendo o comprimento geral da estrada de 2402 varas ou seja, 2642 metros. Foram colocados na extensão da estrada, anote-se, «204 marcos de pedra». Augusto Alves Soares, nascido em 1911, sobrinho do médico e agricultor  Dr Augusto da Costa Falcão  contava-me histórias que ouviu sobre o uso de dinamite para cortar rochas, no caso,  junto à Pesqueira na Arrochela (por aí é a estrada do Malvar, claro). Sabemos que a dita «estrada nova» passava, antes, «pelo centro da vila». Nos anos 30 o seu troço correspondia ainda à actual Rua Vicente Themudo de  Castro (rua dos Correios actuais), diziam os antigos.

Quanto à ponte de Punhete, lê-se no relatório da Intendência que o arco de cantaria da ponte tem 24 palmos de largura e 31 de alto (um palmo teria cerca de 0,20m, segundo a wikipédia) o que perfaz 4,8 metros de largura e 6,2 metros de altura.

A administração, boa economia e direcção dos trabalhos ficou a cargo do Comendador José de Sousa Falcão, acaso um dos beneméritos da Capela de Santa Ana de Constância, a título de exemplo. No relatório enaltece-se os «relevantes serviços» prestados «gratuitamente» pelo nosso conterrâneo nesta e noutras obras (Pontes de Tancos, Sôr e outras), registando-se o desenvolvimento «do maior patriotismo, zelo, actividade e desinteresse em utilidade da Fazenda e do público». O Padre Veríssimo também dá conta disto. A obra foi fiscalizada pela Intendência, pelo Major e Engenheiro, Raymundo Peres de Milão, por acaso, autor da planta do quartel do regimento de Infantaria 20 da praça de Abrantes.

Em 1830, o padre Veríssimo, na sua monografia manuscrita, a qual veria apenas a luz do dia pela mão do  ilustre médico Dr José Godinho em 1947, descreve assim a nova estrada: «Tem outra estrada mais central, a que chamam a «estrada nova», que é a mais frequentada de inverno, quando as chuvas e inundações do Tejo, tornam a estrada do Malvar intransitável; é na mesma direcção para a vila de Abrantes, feita com toda grandeza pelo Braço Real; é larga, plana, cómoda e bem andamoza, pois cautelosamente se lhe removeram todos os obstáculos que podiam ocasionar ainda algum leve impedimento no seu trânsito. Começa no Zêzere junto à bela quinta de Milharada, à fonte chamada do Vigário, tem no seu começo uma bacia com meias laranjas e assentos com cantarias; tem três pontes em três ribeiros, a primeira no fim do campo de Prianes, a segunda próxima à quinta de São Vicente e sobranceira à quinta das Almas, e ambas têm assentos de cantaria para recreio e descanso, dos que transitam, com três fontes próximas, a que chamam do «Gameiro», da «Capareira» e de «Prazeres». É a última, ou a terceira ponte, no Ribeiro de Caldelas, próximo à quinta do Pinhal, a que vulgarmente chamam de «Santo Antoninho». Aquele cultor das antiguidades dá-nos ainda uma descrição desta última ponte, objecto do presente artigo: «é de belíssima construção, e mui extensa, pois abrange de um a outro monte; tem um majestoso arco, e guardas, tudo de cantaria gateada de ferro; tem no fim, para o lado oriental, um soberbo e elevado padrão de ordem Dórica, com esta legenda: «No ano de 1825, reinando o muito Alto e poderoso Imperador e Rei o Senhor D. João Sexto se mandou construir para utilidade pública esta ponte»».

A estas obras não será alheia a situação geográfico-militar de Constância se tivermos em consideração a Fortaleza do Outeiro da Conceição,  a sul do «rio» onde, em 1823, por ocasião das crises revolucionárias e debaixo da inspecção do Tenente Coronel José Carlos, se mandou mais uma vez, arranjar a dita fortaleza edificada inicialmente pelo Conde de Lipe, na guerra contra a Espanha.

José Luz (Constância)

PS – não uso o dito AOLP.

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