Há uma fome que não se vê.
Uma que não se resolve com pão, proteína ou chá quente ao final da tarde. É uma fome de toque. De toque emocional. De sermos vistos para além da moldura, da função, do papel. Não falo do toque da pele, mas do outro. O toque que atravessa a presença e nos sussurra: “eu estou aqui, e tu estás mesmo aí?”
Vivemos num mundo onde se responde a mensagens em segundos e se demora meses a responder a um olhar. Onde se bate palmas a quem se expõe, mas se foge de quem se reserva demais. Onde há atitudes a gritar por amor, e silêncios a implorar por colo. Onde perguntamos “estás bem?” como quem diz “bom dia”, e respondemos “tudo bem” como quem diz “deixa-me em paz”.
Estamos esfomeados de contacto emocional. Mas aprendemos a vestir armaduras que brilham bem nas redes, mesmo que nos arranhem por dentro. Aprendemos a rir com emojis, a chorar em silêncio, a engolir palavras que ninguém nos ensinou a cuspir. Há toques que nunca chegam porque as mãos não sabem como, e há corações que se encolheram tanto que já não batem. Só esperam.
Quantas vezes sentiste que estavas a falar… mas ninguém te ouvia?
Quantas vezes disseste “nada, deixa”, quando o que querias era que alguém insistisse?
Quantas vezes fingiste que não te importavas, quando na verdade… importavas-te demais?
Talvez estejamos todos só a implorar, em silêncio, para que alguém nos veja sem filtros, nos ouça sem pressa, nos toque sem mãos. E eu pergunto: quem foste hoje para alguém? Foste presença ou só ruído? Ou, pior ainda… foste ausente?
Temos fome de ser tocados. Não por dedos, mas por almas. Tocados por alguém que saiba estar sem ter de fazer. Por alguém que nos abrace com a escuta, que nos devolva ao corpo quando nos perdemos da cabeça.
Há fome em mim. E sei que há fome em ti também. Então, talvez hoje, seja o dia de largarmos o telemóvel, o medo, a pressa e dizer, com tudo o que somos: estou aqui.
SANDRA MAY
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