Últimos dias do ano a aproximarem-se e as resoluções de Ano Novo começam a ganhar forma: “no próximo ano vou inscrever-me no ginásio” ou “a partir do dia 1 de janeiro ‘vou fechar a boca’ e começar a fazer dieta” provavelmente devem estar no topo da lista de resoluções (pelo menos na minha!), no entanto, a mística deste exercício de reflexão e decisão é precisamente a possibilidade de definirmos metas e iniciarmos um novo ciclo… mas também, a liberdade de as quebrarmos a qualquer instante!
Certo é que a tradição de estabelecer intenções para o novo ano que se inicia, são por si só um ritual universal, que nos relaciona aos sentimentos de recomeço, de transformação, de esperança, e – romantismos à parte – não deixam de ser uma ótima oportunidade para desacelerarmos da corrida voraz que é o quotidiano, e refletirmos sobre o que queremos, o que precisamos e – talvez mais importante – o que é que eu estamos dispostos a fazer.
Como acredito que as áreas de estudo das Ciências Sociais nos permitem múltiplas analogias com os fenómenos mais banais do nosso dia-a-dia, vejo o período de viragem do ano como que um momento de “curadoria” interna; e á semelhança do que acontece na Museologia, no início de cada nova exposição, é neste momento que podemos definir a nossa coleção, selecionando aquilo que desejamos manter, e aquilo que queremos deixar para trás. É como que um exercício de construção e de curadoria do nosso “espólio” pessoal.
E porque esta crónica está repleta de interrogações, mais do que de afirmações, fica a questão a pairar: “qual é o objetivo da minha ‘coleção’?”, ou seja, “qual a finalidade das intenções a que me predisponho dedicar?”
Regressemos à analogia com o mundo dos museus. As inquietações mais recentes prendem-se com a forma como as instituições e os indivíduos se relacionam e como transformam as comunidades em que se integram. Será que ainda podemos tentar estabelecer analogias?… Será que para além da ida ao ginásio, incluo na minha lista de resoluções uma visita ao vizinho do 1º esq., que envolto em solidão, observa atrás da sua janela os carros a circularem na rua? Ou incluo a participação numa ação de solidariedade da associação local? Ou simplesmente faço um avio no comércio local, pensando que este pequeno contributo – irrisório para as grandes superfícies comerciais – será decisivo para a D. Aida, a proprietária, pagar a conta da eletricidade desse mês?
Tal como fomos realistas em relação à concretização das listas de ano novo, também aqui o seremos: se as nossas necessidades básicas não forem minimamente satisfeitas – as ‘unmet needs’i– será mais difícil existir predisposição para refletirmos sobre quem nos rodeia. “Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”, neste caso, não tem motivação para as questões socias.
Contudo, eu, com as necessidades básicas asseguradas, privilegiada me confesso, incluo nas minhas listas de resoluções o cuidado com os que me rodeiam, para além do núcleo familiar? Não. Precisava de uma analogia com o mundo da museologia para me predispor a fazê-lo? Sim, talvez. Nem que seja apenas para refletir sobre essa problemática. Porque se esta inquietação com a nossa vida em comunidade era banal há décadas atras, em que a vida comunitária era o alicerce da existência individual, não o é mais. Ora, se houver algum
contributo, por mais ínfimo (ou idiota) que pareça, mas que possa ajudar-me a ver para além das minhas quatro paredes, que seja.
Desejo, portanto, que, no novo ano que se aproxima, aqueles cuja motivação para a causa social seja diminuta vejam as suas unmet needs eliminadas, e que aqueles, que como eu vivem numa situação de privilégio, dediquem algum do seu tempo no combate á solidão e ao isolamento social, na diminuição das desigualdades sociais e no combate à fome e à pobreza, ou a qualquer outra medida que permita a melhoria da vida da comunidade que nos envolve.
Se cada um de nós se comprometer a implementar uma ação — por mais pequena que seja — em prol de um bem comum, o novo ano pode ser o início de um capítulo mais consciente, e mais rico, em termos sociais.
Que as resoluções de Ano Novo sejam mais do que listas pessoais de desejos e intenções: que sejam sementes de transformação social, de solidariedade e de empatia no coletivo.
i A expressão “unmet needs”, da autoria da escritora Alma Wittlin (1899-1992), pode ser traduzida para português como “necessidades não satisfeitas”. Alma Wittlin ficou conhecida pelos seus estudos pioneiros sobre a função social dos museus e a sua relação entre cultura, educação e sociedade.
Vanda Costa






















