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A culpa não é uma emoção delicada que passa com chá quente, umas aulas de meditação e silêncio cronometrado. É, na verdade, uma faca de carne viva que nos segue durante grande parte da vida, disfarçada de consciência, de responsabilidade, de “deveria ter feito melhor” e, nas piores de todas as hipóteses: “e se nunca tivesse acontecido?”.

Mas, e se te disser que, muitas vezes, a culpa não nos faz crescer? Estamos apenas programados para acreditar que ela é parte inevitável do tal “crescimento”. Na realidade, ela paralisa. Transforma-nos em espectros de nós mesmos, sempre a olhar para trás, sempre a martelar cada erro como se o passado fosse um crime impossível de prescrever.

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Sentir culpa é um exercício cruel de auto-tortura.

A sociedade ensinou-nos que responsabilidade é carregar tudo sobre os ombros, mesmo o que nunca nos pertenceu. E nós, obedientes… tão obedientes que somos, engolimos essa carga. Caminhamos curvados, com medo de falhar outra vez, como se o simples ato de respirar pudesse ser pecado.

A verdade é que a culpa é uma mentira sofisticada. Faz-nos acreditar que podemos controlar o passado, que podemos desfazer o que já aconteceu, que somos os arquitetos de todo o sofrimento que sentimos. Não somos. Nunca fomos. A culpa não é ponte, é corrente. E, cada vez que a aceitamos como nosso fardo, deixamos de viver o presente.

Pior ainda é quando criamos a ilusão de que “nunca mais iremos cometer o mesmo erro”. Fazemos promessas que, no momento, parecem compromissos sólidos. E adivinha só? Não são.

E aqui vai o choque: o verdadeiro poder não está em sentir culpa. Está em olhá-la nos olhos, reconhecer a própria falha sem nos dissolvermos nela e, ainda assim, decidir avançar. Não importa se erraste feio, se magoaste alguém ou a ti mesmo. A vida não pede perdão. A vida pede movimento. E a culpa, transformada em consciência, só serve se te empurrar para a frente e não se agarrar como a carcaça de um passado que já não existe.

No fim, somos culpados não pelo que fizemos, mas pelo medo de deixar de ser culpados. Abandonar a culpa significa largar a nossa desculpa favorita para não mudar. E isso, caro leitor, é o que nos mantém presos.

Talvez, no fundo, nos agarremos a ela porque é mais fácil viver como vítima do que assumir que somos livres. E a liberdade, essa sim, é assustadora: exige ação, exige risco, exige recomeço. A culpa é estática. A liberdade é movimento. A culpa é cela. A liberdade é abismo.

E então, a pergunta que fica é: vais continuar a dormir abraçado à tua culpa como se fosse um cobertor gasto, ou vais rasgá-lo e sentir o frio que te obriga a andar?

SANDRA MAY

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