Depois de “Attila, the Crow”, editado no ano passado, Fritz Kahn and The Miracles, banda do entroncamentense Gonçalo Serras, regressa aos lançamentos com “Freedom”, um novo EP que explora, de forma clara e direta, a liberdade enquanto estado instável, ameaçado e, por isso mesmo, urgente. A acompanhar o disco, é lançado também o single “Love Knows”.
“Freedom” é uma obra de intervenção. Em tempos em que se normalizam discursos autoritários e se diluem direitos adquiridos, o projeto assume uma posição. A liberdade pode ser passageira — mas vale sempre a pena lutar por ela. A capa do EP, onde uma onda prestes a desfazer-se na areia transmite essa mesma ideia, sublinha que, mesmo efémera, a liberdade deixa marca.
O disco é composto por cinco temas, cada um com uma identidade própria, mas todos ligados por um mesmo fio condutor: a busca, a resistência e a dignidade.
Ao EOL, Gonçalo Serras afirma, sem rodeios, que este é o melhor trabalho de sempre. “Digo isso com convicção porque, neste trabalho, consegui juntar tudo o que fui aprendendo ao longo dos anos — o lado criativo, a escuta atenta ao outro e uma vontade profunda de ir ao fundo das questões. Sinto que finalmente encontrei uma linguagem que me representa, tanto na forma como no conteúdo. É um trabalho que não tenta agradar a toda a gente, mas que procura ser honesto, curioso e, acima de tudo, vivo. E talvez seja isso que o torna o melhor até agora: está mais próximo de mim, sem filtros”.
Em tempos politicamente conturbados, perguntámos ao músico se o EP tinha carga política, “não no sentido partidário ou panfletário. A carga política que o EP “Freedom” possa ter vem da própria ideia de liberdade — que é, por si só, profundamente política. Falar da liberdade dos mais pequenos, dos que ninguém ouve, dos que vivem à margem, é sempre um gesto de intervenção. Mas não estou a apontar dedos nem a alinhar com discursos. Estou a abrir espaço para uma escuta mais sensível, mais justa. Se isso é político, então que seja. Mas acima de tudo, é humano”.
E conclui ainda que sente que a nossa liberdade está ameaçada, “mas não necessariamente da forma mais óbvia. A ameaça à liberdade hoje não vem só de proibições ou censuras declaradas, vem de dentro, muitas vezes. Vem da pressão para sermos iguais, para pensarmos rápido, para reagirmos em vez de reflectirmos. Vivemos numa espécie de ruído constante que nos afasta da escuta, da dúvida e até do silêncio — e é aí que a liberdade começa a encolher. Defender a liberdade, hoje, é conseguir pensar com calma, sentir com profundidade e não ter medo de ir contra a corrente, mesmo que isso custe.”
Uma ode à resistência
“Love Knows” abre o EP com um olhar sobre a perda. Fala das vozes que desapareceram, das memórias que resistem e da fé num amor transformador, mesmo em contextos de violência e esquecimento. A letra e voz pertencem a Gonçalo Serras, criador do projeto, e a produção musical esteve a cargo de Rúben Alves, que também assina a orquestração e interpreta o piano. Mário Delgado assume as guitarras, Miguel Amado o contrabaixo e baixo acústico, e a captação de som ficou a cargo de Nuno Simões no Slow Music Studios. A mistura e masterização foram feitas por Samuel Nascimento, e o vídeo foi produzido nos EUA pela equipa da ViewManiac.

O disco prossegue com “Going Home”, tema que aborda o regresso, não necessariamente geográfico, mas emocional e simbólico — um reencontro com aquilo que permanece quando tudo o resto se desmorona. “The Great Escape” é um exercício sobre resistência individual. Fala de fuga e escolha, sobre manter a vontade de viver com sentido, mesmo quando o mundo parece ter perdido o seu. “Jeremy The Outlaw” dá voz a uma figura solitária que se recusa a desistir. Uma canção sobre coragem e insubmissão — alguém que canta, dança e questiona, mesmo quando a resposta é o silêncio ou a violência. “The End” encerra o EP com uma aceitação lúcida do fim. Não como derrota, mas como constatação — e, quem sabe, como ponto de partida para outra coisa.
Gonçalo Serras conta que a ideia de “resistência esteve sempre presente, mas não no sentido bélico ou grandioso. É uma resistência íntima, quase silenciosa, que começa por dentro: resistir à indiferença, à pressa, ao cinismo. Cada música tenta proteger qualquer coisa que parece estar em vias de extinção — a inocência, a empatia, a escuta, a delicadeza até. O fio condutor é esse: dar voz ao que é pequeno, frágil ou esquecido. E isso, no mundo de hoje, já é um acto de resistência”.
Um EP que consolida a linguagem musical e filosófica do projeto
Este novo lançamento consolida a linguagem musical e filosófica do projeto Fritz Kahn and The Miracles, fundado por Gonçalo Serras, compositor que questiona as fronteiras entre lógica e magia, ciência e espiritualidade. O nome é uma homenagem interrogativa ao médico e cientista judeu-alemão Fritz Kahn, e serve de ponto de partida para um universo onde o rigor harmónico da composição se funde com uma expressão emocional intensa e transformadora.
Depois de uma menção honrosa no International Songwriting Competition (2006) e atuações em palcos como o Super Bock Super Rock ou a Casa da Música, Gonçalo Serras viveu um longo percurso de reinvenção, agora espelhado neste trabalho: “Freedom” é um disco curto, mas claro. Não tem a intenção de ser neutro. É um gesto artístico e político. E uma afirmação de que, mesmo sabendo que a liberdade não dura sempre, há quem continue a escolhê-la.




















