Há uma voz dentro de mim que nunca dorme. Nem quando me calo. Nem quando fecho os olhos. Nem quando o mundo parece suspender-se por instantes. É uma voz sem timbre, sem rosto, mas que me conhece demasiado bem. Não precisa de palavras para me tocar, porque mesmo quando parece estar ausente, é absurdamente poderosa.

Quando decide falar, pode ser mais áspera que uma corda velha que desliza das minhas mãos enquanto a seguro com força. Arranha como as garras de um gato selvagem, fere como uma lâmina afiada que não hesita e deixa marcas que não se apagam.

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Crescemos acreditar que o mundo nos julga a cada movimento. Sentimos que os olhares alheios, tão cheios de certezas, sabem quem somos, o que valemos, o que pensamos e o que escondemos. Mas a verdade é que o julgamento mais impiedoso não vem de fora. A voz que habita em nós é a mais severa, a mais exigente, é aquela que nos atribui a culpa e a vergonha, castigando-nos como um verdadeiro juiz implacável.

Quanto peso desnecessário não carregamos ao longo da vida? Caminhamos dobrados por dentro, permitindo que essa voz se torne no nosso carrasco particular. Quero que saibas disto: é neste pequeno texto que começo a compreender que, se não for capaz de falar comigo mesma com bondade, como poderei criar algo belo e transformador para o mundo? Para ti?

As palavras que usamos em nós são incrivelmente reais. Elas moldam a forma como nos comportamos, o jeito como pisamos o chão, os gestos que surgem com naturalidade, como olhamos para os outros, e como nos permitimos sonhar. Refletir sobre a forma como falamos para nós mesmos é o primeiro passo para mudar seja o que for. Somos, tantas vezes, cruéis com a nossa própria existência, verdadeiros mestres em autossabotagem.

Se o silêncio interno for insuportável, ele vai acabar por ecoar no exterior. E o desdém com que tantas vezes nos tratamos construirá, não apenas um muro, mas uma muralha impenetrável e que isola.

Hoje, escrevo estas palavras e sublinho-as como uma promessa a mim mesma (e convido-te a fazeres o mesmo): tornar a voz interior mais macia. Porque, se o lado mais duro dói e corrói, o lado mais suave pode ser como o calor de um abraço que cura.

Escolhe palavras que te façam erguer. No início, vai ser estranho. Vai ser como falar com um estranho. Mas, a pouco e pouco, todos os dias, essas palavras vão transformar quem és. O tom cuidado na nossa conversa interna começa a atrair, para fora, o que cultivamos por dentro.

E quando a voz severa voltar, porque acredita em mim, ela voltará, responde-lhe: “Eu sou mais do que os teus julgamentos”. Às vezes, é tudo o que precisamos de ouvir. É tudo o que precisamos de ser.

Fala-te com amor.

SANDRA MAY

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