O Exército francês tinha causado destruição na Ermida de São Pedro na vila de Punhete (actual Constância). Um dos grandes proprietários, Jacinto de Sousa Falcão viu aí uma oportunidade de ouro. E conseguiu uma provisão régia para a venda do edifício por meio de um irmão…
Um grupo de moradores liderado por Manoel dos Mártires apresentou então uma súplica, invocando a nulidade do procedimento. Não terá havido edital publicado para a arrematação pelo melhor lance. É no meio desta lide que surge um dado inédito sobre a intenção dos pescadores do Tejo de fazerem a sua festa anual em honra de… São Pedro…
Num requerimento em que é suplicante «Manoel dos Mártires, e os mais Devotos e Moradores da Vila de Punhete» se contesta um outro apresentado por Jacinto de Sousa Falcão, da mesma Vila, em que estoutro pretendia uma provisão para a venda do edifício da Ermida de São Pedro.
Manoel dos Mártires começa por enunciar a argumentação de Jacinto Falcão. A saber: «o Exército Francês, quando invadira este reino, teria destruído a antiga Ermida, sita nesta Vila, da invocação de São Pedro, anexa à Igreja Matriz, pertencente ao Real Padroado». Como resultado dessa destruição, «só ficaram existindo restos das paredes, e dos telhados; e tem servido para açougue, e outros usos profanos». O primeiro supplicante, Jacinto Falcão, possuía à data «uma morada de Casas contíguas» à Ermida e, atente-se, «desejava evitar o perigo que lhe poderia causar aquele abandonado, e ruinoso edifício», pedindo à Sua Majestade, «que lhe fosse avaliado e arrematado». Manoel dos Mártires e os mais devotos moradores saíam, desta feita, «afrontados».

Estando pois Sua Majestade na posse, do requerimento inicial de Jacinto Falcão, da Informação a que mandara proceder, da resposta do Procurador da Real Coroa e do Vigário da Matriz, «foi havido mandar proceder à venda da Ermida, e do Adro da mesma pelo maior lanço». Mandava a provisão «se fizesse escritura da compra ao arrematado, e fosse o produto aplicado à reedificação da Igreja Matriz como tudo mostra o documento (…) e a provisão que no mesmo vai inclusa», lê-se ainda no requerimento de Manoel dos Mártires apesar da dificuldade do texto, tal como se apresenta reproduzido.
Enquanto representante dos moradores de Punhete, passava então a contraditar:
«O suplicante porém, e os mais devotos da mesma vila, expõem a V. Majestade que não se alegara a verdade». E a verdade é que «os franceses só arruinaram, o telhado da sacristia, que ainda se conserva, bem como as paredes, que não somente não ameaçam ruína, mas estão de tal modo seguras, que prometem uma prolongada duração por estarem seus alicerces feitos sobre uma rocha firme». Açougue, a Ermida??? «Nunca servira de açougue; e já andavam tratando de prepará-la para o que já os oficiais andavam trabalhando nas madeiras como mostra o documento Nº 2. E o suplicante e mais devotos querem prepará-la, e paramentá-la, decentemente, para nela se celebrarem os ofícios divinos; e até se oferecem a dotá-la, tendo já o suplicante começado a mostrar o seu zelo na compra de uma imagem de São Pedro com alguma ajuda de outros devotos».
O objecto do requerimento era claro: «Mande que a Ermida seja restituída à vila para aumento do culto divino, apoio do zelo daquele povo cristão, e para não sermos privados de um monumento tão antigo(…) parte da matriz».
A dado passo surge uma passagem muito feliz e de grande relevo para a história da vila de Constância:
«Além disso é um templo que não só por ser uma cousa sagrada, mas também pela sua antiguidade de muito respeito e acatamento, acrescendo que por ser dedicado a São Pedro, é de muita devoção para toda a vila. Com especialidade os pescadores do Tejo, que pretendem fazer nele todos os anos em dia de São Pedro a sua festa». Temos pois um elemento novo por assim dizer: uma devoção dos homens do rio e um patrono, distinto de Nossa Senhora da Boa Viagem. É possível que a recusa de Sua Majestade, desta súplica dos moradores, (como se verá a seguir) tenha estado na origem da festa (procissão) de Nossa Senhora da Boa Viagem, dado que o culto devocional já existia em 1788, assunto que já desenvolvemos amiúde.
Alegavam ainda os moradores, por exemplo e em relação à venda da Ermida que «também se não observou a lei na execução da provisão, pois que se não mandara afixar o edital. De que faz menção o documento nº 3. Mas o comprador o teve na mão o que lhe foi fácil por ser então Juiz Ordinário». Acusações fortes que não se ficaram por aqui. «De que passados os dias da lei, passou o escrivão uma fé; mas falta (o edital (leia-se), como depôs o porteiro inquirido pelo Juiz, debaixo do juramento dos Santos Evangelhos, como mostra o documento nº 4». E o padre que então estava na Ermida também não fica sem resposta. É acusado de ser «encomendado».
Na súplica rogavam os moradores a Sua Majestade «mande informar a um ministro – não sendo o provedor da comarca por ser ter hospedado em casa de José de Sousa Falcão, irmão do comprador, quando veio em comissão – o qual vendo a Ermida, ouvindo o nosso vigário, a vila, diga a V. Majestade a verdade(…)».
Tem este procedimento um recibo assinado por Manoel dos Mártires em 26 de Setembro de 1821, onde se pode ler: «Recebi do Senhor Pedro de Alcântara (…) guarda livros da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino uns documentos que estavam juntos a um requerimento de Manuel dos Martes que teve por despacho «recusado». Em 13 de Setembro de 1821.
José Luz (Constância)
PS – não uso o AOLP. O presente texto foi elaborado a partir dos docs do ANTT com a cota: «Ministério do Reino, mc. 900, proc 26».















