Talvez imitando Horácio, ou mesmo Cícero, quiçá, Marcelo, O Presidente, não se tem coibido nos últimos anos de recorrer ao clássico conceito exposto por Erasmo em “Adágios”, assim tergiversando pensamentos que não raro, parecem desconhecer/esquecer a alma lusitana (?). Onde há pouco sobrepujava o cristianismo parece abundar agora o islão?… Que seja então uma metáfora para iludir o pragmatismo marcelista, dirão os mais condescendentes…
Ao ter recorrido a Fernando Pessoa para justificar o seu elogio ao islão, afinal, o “fundo da alma portuguesa», o Chefe de Estado permitiu-se ir bastante longe no então cinquentenário da CIL – Comunidade Islâmica de Lisboa, chegando mesmo
a atribuir ao islão «por excelência», «os valores humanistas». O prestidigitador espantara a audiência. Ontem era o cristianismo personalista, afinal, a origem desses mesmos valores. «O Estado e a Nação devem muitíssimo ao Portugal cristão» ditava da sua cátedra na Aula Magna comentando o livro «Portugal católico», talvez recordando-se da sua participação na Assembleia Constituinte (intervenções que uma aturada pesquisa que intentei aos diários oficiais em tempos, me suscitaram e aguçaram o interesse e a curiosidade mortais).
Há cem anos Pessoa (que terá inspirado por escassos momentos, Marcelo) havia escrito em “Ibéria”: “vinguemos a derrota que os do norte infligiram aos árabes nossos maiores. Expiemos o crime que cometemos, expulsando da península os árabes que a civilizaram”. Pessoa escreveu que chegou a ter pavor pelo «mistério» dos ideais da teosofia. E demonstrou um certo apreço pela «revelação islâmica», dita sintéctica e integrante, no fundo, uma aparente mensagem única e coerente, em relação às revelações anteriores…
São notórias em Pessoa as influências de Annie Besant, mormente, dos ideais da teosofia. Numa carta dirigida a Mário de Sá Carneiro, a sua alma gémea, Pessoa parece comparar a teosofia – a qual diz admitir todas as religiões – a uma espécie de «Panteão». «Eureka!». Marcelo terá lido esta carta? Marcelo devorou esta carta! Marcelo que para citar Pessoa teve de ler umas coisas sobre o assunto – comendo umas sandes de queijo pela noite dentro – funda deste modo a sua intervenção sobre a liberdade religiosa com todo este enquadramento? É possível até encontrar aqui uma linha de investigação do pensamento marcelista…
Um facto curioso para o «caso pensado» do nosso Marcelo ecuménico. Numa obra de Espronceda, Pessoa terá colocado um traço lateral numa frase sobre o exercício da chamada «tolerância religiosa» exercida pelos árabes para com os cristãos aquando da invasão da península em 711. Como é sabido os cristãos pagariam um módico tributo, acreditava Pessoa, ” em absoluta liberdade para praticar a sua religião “. A história e a investigação ocidentais já provaram à saciedade que a argumentação não procede. A fronteira entre a «tolerância» (esta já de si muito frágil) e a violência dependiam mais da vontade do detentor da força e da autoridade, isto é, das armas, do que propriamente de um «Homem novo» saído da nova revelação ou de qualquer religião/filosofia ou teosofia…
É de mestre. Marcelo remata a sua intervenção na CIL com a evocação da nossa carta magna «onde cabem todas as religiões em são ecumenismo» e, sem citar o «livro» do anfitrião, faz uma religião maior do que outras, do que a sua, ainda que en passant… No essencial é isto: é preciso maximizar o potencial inato das mensagens que se passam para a imprensa. Porém, à mulher de César, não basta parecer…
A presença da cultura árabe-islamica em Pessoa terá, por conseguinte, influenciado Marcelo ao imerecido elogio do islão. Mas só por alguns momentos. Ao ponto de esquecer por umas horas os valores personalistas cristãos anteriores ao próprio islão que “ontem” afirmava estarem indelevelmente associados à nossa alma lusitana.
É inegável a contribuição do islão na propagação das técnicas de rega, da bússola, do papel e do aumento do pomar na península. António Borges Coelho em “Portugal na Espanha Árabe”, 1973, sobrevaloriza o papel dos árabes e outros povos incursionistas na transmissão dos clássicos gregos na difusão da filosofia. É uma visão parcial. Nós sabemos que aquando da invasão árabe da península em 711 já existia uma igreja organizada com grande vitalidade. Em 180 já havia notícia de igrejas por aqui segundo Irineu de Leão. No século lll havia comunidades cristãs instaladas. A organização eclesiástica produziu concílios: Elvira (300-303), Toledo (400, com três bispos da Lusitânia), Braga (561). E com Recaredo houve grande conversão.
Sobre a evangelização da península poderíamos recorrer a título de exemplo: Carta aos Romanos, Carta de São Clemente Romano, excerto do Cânone de Muratori, poema litúrgico do Beato de Liebáne.
A alma cristã, fundo da alma lusitana vai continuar perene na nossa história, apesar do Canto Marcelista da Palinódia…
Sete séculos de crescimento do cristianismo, ainda hoje são os alicerces fundantes da nossa matriz cristã.
Temos pena!
José Luz (Constância)
PS – não uso o dito AOLP















