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Aproxima-se o aniversário do nascimento do poeta constanciense Tomaz Vieira da Cruz. A efeméride coincide com o dia do feriado do nosso concelho de Constância. Tomaz nasceu na vila de Constância em 22-04-1900 junto à rua dos Ferreiros, numa modesta casa contígua à moradia que nos anos noventa veio a acolher o escritor Baptista Bastos. Faleceu em Lisboa, a 7 de Junho de 1960.. Foi poeta, músico, jornalista, farmacêutico.

Poeta Tomaz Vieira da Cruz “Tomaz Vieira da Cruz tem, até agora, sido vítima de alguns dos muitos paradoxos que normalmente atingem os poetas realmente grandes. Tendo obtido, logo nos primeiros tempos da sua vida literária, a aura de «o poeta ” In Panorama, revista portuguesa de arte e de turismo, 1964.

Os homens, os autarcas locais podem adiar de vez a homenagem devida por direito ao autor que versejou sobre a triste comitiva silenciosa dos pés descalços. A voz do povo que é a voz de Deus há-de retumbar em eco pelos vales infelizes da humanidade onde o pensamento não passou mais além.

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Sobre o autor, o homem, o poeta, a obra…

A UCCLA – União das Cidades Capitais da Língua Portuguesa reeditou em 2015 uma seleção de poemas da obra de Tomaz Vieira da Cruz, poeta natural da vila de Constância.

É, sem dúvida, mais um reconhecimento internacional do valor e prestígio do poeta e da sua obra. Tomaz é referência obrigatória, por exemplo, na enciclopédia britânica.

Há cerca de vinte anos que se encontra pendente na Câmara Municipal de Constância um abaixo assinado da população para que seja reconhecido na toponímia o valor do seu conterrâneo. Na altura o escritor Meira Burguete ex–diretor do jornal «Macau Hoje» aceitou o meu desafio de promovermos essa homenagem ao ilustre constanciense que por vicissitudes da vida, passou parte da sua vida em Angola para onde foi trasladado após a sua morte.

Como é público o município de Constância não incluiu o seu poeta conterrâneo (Tomaz Vieira da Cruz) no mural dos poetas pintado junto à biblioteca municipal. Ficando adiada «sine die» mais uma vez, essa homenagem que é devida ao ilustre filho da terra.

O signatário conviveu com alguns amigos do poeta (caso do antigo presidente da Câmara Municipal do Peso da Régua, Eng. Manuel Alves Soares) e conhece os seus familiares da vila Sabemos que o poeta era presidente do júri dos festivais de ranchos folclóricos de Constância e que, por exemplo, fez a instrução primária por aqui na rua Luís de Camões.

Tomaz Vieira da Cruz é considerado um dos precursores da literatura angolana., tendo aberto caminho para a geração que lutou pela independência; esta opinião publicada é conhecida.

Tomaz foi pioneiro, por exemplo, no uso do quimbundo, recorrendo a termos desta língua nacional angolana os quais grafou em português nos seus versos em expressões como «chingufo», «quissange» (instrumentos musicais) ou mesmo «cazumbi» (alma do outro mundo) entre muitos outros – Ver «O Sol,» edição de 16-01-2015.

Obras que escreveu:

– 1932 – «Quissange, saudade negra»

– 1939 – «Vitória de Espanha»

– 1941 – «Tatuagem»

– 1950 – «Cinco poesias de África»

– 1950 – «Cazumbi»

Em 1938 alcançou o 1º prémio de poesia nacionalista sendo premiado pela Emissora Nacional com o título de «Príncipe dos poetas portugueses».

Tomaz Vieira da Cruz, poeta épico em “Romagem ao Quicombo”. Primeiro prémio de poesia nacionalista em 1938. Era grande a solenidade com que se comemorava a reconquista de Angola ao invasor holandês, integrando-se nas festividades, romagens aos locais que foram teatro da luta da resistência.

Segundo a crítica Tomaz iniciou a geração moderna da poesia angolana, tendo a sua poesia como nota dominante, um certo fatalismo denunciador das injustiças. Tal facto poder-se-á inferir a partir do exame supostamente superficial com que abordava as coisas;; o seu universo intelectual é objetivo e os métodos históricos subjacentes na sua poesia são de carácter predominantemente burguês.

Tomaz, segundo a crítica literária, «é um caso típico da expressão poética de contacto e de aculturação de duas raças em presença» (Lopo de Sá, Diário de Luanda, 1972). Do mesmo crítico recuperamos a descrição física: «estou ainda a vê-lo com a sua abundante e completamente negra cabeleira de vate romântico, sempre animado por ideias generosas e acalentando iniciativas que dessem a conhecer ao mundo lusíada os seus anseios poéticos».

 

Alguns factos a assinalar

– 1961 – A Casa de Estudantes do Império inclui 21 poemas seus sob o título «Poesa angolana», selecionados e prefaciados por Mário António e redistribuídos pelo Sol (ver edição de 2015 atrás citada).

– 1964, «A, B, C» – «Thomaz Vieira da Cruz foi hoje homenageado pela cidade de Luanda – O presidente da Câmara depôs uma coroa de flores à porta do jazigo (…) procedeu-se em seguida, em frente ao edifício da Escola Industrial ao descerramento da placa toponímica».

– 1964, ‘O Comércio» – «Que não se procurem adjetivos para louvar o poeta que foi – que é – Thomaz Vieira da Cruz».

– 1965, 7 de junho – É inaugurado o monumento ao poeta Thomaz Vieira da Cruz, em Luanda, no Largo Monsenhor Alves da Cunha, junto ao Liceu Salvador Correia, mandado erigir pela Câmara Municipal. Que depois foi destruído com a independência (e cujo busto estará guardado num arquivo militar segundo me contaram retornados de Angola, anoto).

– 1970, «Artes e letras» – «Angola perdeu o príncipe dos seus poetas».

– «A Província de Angola – «Em relação a Thomaz está-se cumprindo o ritual póstumo consagratório dos poetas oficiais: Puseram a bandeira a meia-haste/ E decretaram luto na cidade/ Responsos, coroas, círios quanto baste/ Para iludir a eternidade/Teve o nome nas ruas/em monumentos: nasceu – morreu – tantos de tal – Poeta. Houve discursos graves, longos, lentos… /venham todos os ventos do planeta».

Da sua união com uma mulata «a sua flôr de bronze», nasceu Tomaz Jorge, seu filho, poeta, da geração de 50 que foi preso pela polícia secreta do Estado (anos 60), conjuntamente com outros escritores por participar em publicações em que manifestava «um grito de dor, provocado pelo sofrimento e discriminação que pesam sobre o povo angolano» – Antologia de poetas, 1976, República Popular de Angola.

Tomaz Jorge, Agostinho Neto e Viriato da Cruz viriam a integrar o movimento nacionalista literário «Vamos descobrir Angola».

«Amor, grande amor/formosura linda e calma/tu não és da minha cor/mas és muito da minha alma» – eram estes os versos inscritos no monumento em Luanda.

Na sua primeira coletânea poética no poema «Os bailundos» Tomaz descreve «as tristes comitivas» que «procuram inutilmente, /mais longe, /sempre mais longe, /a terra da promissão».

Mias do que um fatalismo, assistimos à coragem da denúncia «destes homens que andam «descalços como Jesus», / porque não existe humanidade, / e o mundo foi sempre assim».

África faz parte da nossa história. Ninguém tem o direito de calar a poesia de Tomaz. Ela é intemporal e emana das profundezas da alma do poeta. Falem de Tomaz. Divulguem a sua/nossa poesia. Leiam-na, degustem-na. Enterrem o preconceito supostamente cultural. Os grandes poetas são seres sem dono nem senhor. São livres. E o pensamento não tem censores nem regimes, nem mordaças. Tomaz é um marco da nossa literatura, incontornável, escondido aos constancienses. Dele não se fala por aqui e até do muro camarário dos poetas foi excluído. Pior é impossível. A mediocridade não teve limites. Não há coerência política quando se abandona a luta pela justiça, por omissão e inação. Ignorar Tomaz é ignorar os valores e os filhos da terra que contribuíram para uma melhor humanidade. Isso não se faz. É preciso denunciar. Vem aí o 25 de Abril e os discursos da hipocrisia política e do adormecimento das gentes. O bombo sairá da prateleira mais as tarolas e a marcha parecerá fúnebre aos mais despertos. Sim! Não se pode enganar toda a gente, toda a vida. A coletividade dos políticos locais não tem seguro de vida no facebook.

A nossa comunidade patrícia é já diminuta e é preciso é urgente fazer ouvir a voz da nossa tradição dos nossos poetas. A defesa da nossa identidade passa forçosamente por aqui.

Tomaz era, na opinião dos partidários do direito à autodeterminação dos povos, o grito em surdina da revolta que viria com a geração seguinte da qual Tomaz é o precursor – defende-se.

TOMAZ, poeta proscrito em Constância
e o comunismo da morte….

“Quando os infiéis assaltaram os túmulos das Catedrais, os mortos riram tragicamente , e continuaram mortos, mas não deixaram de rir” – in “Vitória de Espanha”

Na terra que o viu nascer não há amanhãs que cantem a sua poesia.
Tomaz, um espinho no marxismo vindo de Constância?

A obra memorável «Vitória de Espanha», do poeta constanciense Tomaz Vieira da Cruz ficará para sempre cravada como um espinho nos desígnios marxistas. O autor dedicou um livro de poemas à guerra civil de Espanha, tendo escrito: que “na Espanha triunfou o comunismo da morte – distribuindo a paz eterna a todos os espanhóis que morreram na luta”. Um poeta que se considerava em missão lusíada em África, a qual, esclarece, ” foi alterada por um motivo imprevisto “.

Da sua espada de boticário fez alfange e também andou na guerra: “Os que pretendem construir um mundo de cimento armado, monótono e igual, destruindo monumentos seculares e tradições milenares, hão-de encontrar na luta, sempre, a naufragar-lhes o caminho cómodo, sem pensamento, o sangue generoso dos artistas e dos heróis”. Desta forma resumia o pensamento que perpassa a vistas largas na primeira e segunda parte do livro.

Não raro o autor tem sido vítima de críticas suspeitas oriundas de autores de esquerda mas que não terão o mérito de interferir com a validade real da poesia de Tomaz, por assentarem em premissas falsas ou erradas.

O poeta conquistou cedo a aura de “poeta de Angola”, mercê da grande popularidade da sua poesia. Esta brilhante confirmação do seu génio e da sua atualidade têm merecido mais hodiernamente a atenção da crítica e da história literárias internacionais, já sem rótulos e preconceitos anti-lusos-colonialistas. Os poetas grandes costumam ser vítimas de tais paradoxos e… Invejas. Tomaz, na flor da vida não escondeu o seu entusiasmou pela Falange Espanhola, contra o separatismo regional. O nosso autor participou na guerra de Espanha através de os ” Viriatos “. É polémico, é sim senhor. É um Senhor das Letras. Escreveu a máxima de que ” Na Espanha triunfou o comunismo da morte – distribuindo a paz eterna a todos os espanhóis que morreram na luta’. Pode ser que seja um autor sincrético. Que tem a frescura de autores de oitocentos, sem disso se ter apercebido, que cantou África, e assim a libertasse, de certa forma. Foi nacionalista. Talvez. Foi humanista, Católico.
Ao regressar a África, sentia-se “mais forte, e mais português”. Ele, que considerava Espanha e Portugal, dois velhos namorados, Portugal e Espanha?
” Profundo amor platónico os enleia e separa O verdadeiro amor reside no sentimento das Almas, muito aquém e além da volúpia da posse “.

Post Scriptum – não é para levar a sério a crítica que pretende colar o poeta à propaganda salazarista. Tomaz era um intelectual, independente de espírito, votado às artes. Um homem situado num tempo e contexto históricos é certo, mas um profundo humanista, antes de tudo. Um intelectual, livre. Com convicções. Com as suas convicções!

Por José Luz (Constância).

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