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Manuel Faria
manuel.faria@entroncamentoonline.pt

O Entroncamento tem, sim, problemas de segurança, e para tratá-los, é necessário, primeiro, reconhecer a sua existência.

Infelizmente, a morte trágica da pequena Beatriz, com apenas 4 anos, não foi suficiente para que as principais entidades da nossa cidade, Executivo da CME e PSP, os reconhecessem, com efeito, e abordassem devidamente, … assim se passando quase dois meses.

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Assim como não esquecemos a morte brutal de José Fábrica em 2019 por atropelamento, depois de uma noite de roubos de viaturas que se iniciou no Entroncamento.

Os últimos 9 anos ficam marcados por seis factos desestruturantes que resultaram na situação que hoje vivemos:

O não reconhecimento dos problemas de segurança e a fuga permanente ao seu enfrentamento.

A desvalorização e subestimação sistemáticas e inflexíveis face à criminalidade oficial e não oficial (não denunciada) e face às inquietações e preocupações da população.

A desresponsabilização continua relativamente a todos os problemas de segurança e ocorrências (graves e menos graves) registadas na cidade.

A constante interpretação manipulada dos factos e dados para gerir imagens pessoais.

A ausência total de uma Estratégia, de um Plano de Ação e de um orçamento para a Segurança.

A inconcebível ausência e insuficiência de meios humanos e materiais das forças de segurança, fortemente agravadas pelas políticas de cativações e cortes do Governo PS desde 2016.

E é preocupante constatar que estes 6 fatores se mantêm firmemente, e vão manter-se.

Ao longo de 9 anos ficou tudo registado em atas de reuniões de Câmara, de reuniões da Assembleia e de reuniões do Conselho Municipal de Segurança, entre outros momentos oficiais e não oficiais.

A postura foi sempre de inação ou reação tardia e insuficiente, fuga e total desresponsabilização.

Foi sempre, também, uma postura de consideração, apenas, e exclusiva dos resultados globais da criminalidade, da sua variação e de interpretação da mesma de acordo com a imagem positiva que pretendia passar em cada momento.

Assim sendo, quando a criminalidade subiu, argumentou-se sempre que o Entroncamento não estava assim tão mal, quando (mal)comparado com outros concelhos, que havia uma enorme herança do passado ligada às questões da etnia, que a responsabilidade era dos munícipes, ora por não tomarem medidas preventivas (“facilitando”), ora por não denunciarem devidamente os crimes às autoridades o que levava à impunidade, incapacidade de atuação das autoridades e continuidade dos mesmos. Em muitas situações, referiu-se, mesmo, que alguns problemas eram gerados e empolados pelas redes sociais, criando um alarme social infundado.

Sempre que a criminalidade desceu, assumiu-se prontamente que tal se deveu à atuação “concomitante” e exclusiva do Executivo em estreita ligação com as autoridades policiais.

Claro que os números importam, mas suponhamos que tínhamos 0 crimes registados na nossa cidade, bastava haver apenas 1 para gerar alarme social. Portanto, os números dizem aquilo, apenas, que alguns querem ver em cada momento.

Por outro lado, importa ainda relevar um outro elemento crucial. O sentimento de segurança ou insegurança não depende exclusivamente dos números “oficiais” da criminalidade denunciada e devidamente registada. Depende, na mesma medida, da existência ou não existência de outros fenómenos, neste caso, urbanos, como atos de vandalismo, graffitis, utilização indevida e degradação de património, má vizinhança, insultos e conflitos pessoais e sociais, condução perigosa, … no fundo, tudo o que tem a ver com uma vivência quotidiana e que, a maior parte das vezes, são atos que não se incluem na ordem jurídica, mas fazem parte da ordem social, da vida de todos os dias.

Os únicos denominadores comuns ao longo dos anos foram o agravamento da criminalidade, do sentimento de insegurança e dos seus efeitos e a inexistência, em alguma circunstância, do reconhecimento dos problemas ou de um mea responsabilidade.

A nossa cidade regista vários tipos de crimes que são do conhecimento público, sendo os mais reincidentes: assaltos a estabelecimentos comerciais, casas particulares e viaturas, roubos violentos por esticão, roubos de viaturas, roubos de gasóleo das viaturas (a nova moda), tráfico de droga, condução de veículos sem habilitação, condução sob o efeito do álcool, situações de excesso de velocidade, violência doméstica, …

As corridas de carros, os conflitos habituais em zonas de restauração, lazer e diversão noturna, a má vizinhança, as ameaças e tentativas de assalto a quem anda na rua à noite, o bullying nas escolas e outros tantos, complementam os resultados da criminalidade e da insegurança.

O Entroncamento tem sido, infelizmente, notícia nacional por causa da insegurança e da criminalidade.

Vivemos num tempo em que isto não deveria acontecer. Vivemos num tempo da nossa civilidade e evolução em que existem políticas, práticas e tecnologias que podem e devem fazer-nos sentir seguros. Se tal não acontece, é porque continuamos a ter negacionistas e bloqueadores nos órgãos que decidem os destinos da cidade.

A Segurança numa cidade deve ser abordada de forma holística / global, integrando todos os aspetos da nossa vida: a segurança da nossa integridade física e dos nossos bens, a segurança rodoviária, a segurança nas escolas, nas ruas, a segurança das instalações e património das empresas, … e o respetivo perfil urbano e populacional em cada momento. E o nosso perfil populacional é hoje muito diversificado, estratificado e complexo e tem influência nas várias dimensões da segurança.

Para tal é fundamental determos um Plano Estratégico de Segurança dinâmico anual que enquadre devidamente cada dimensão da segurança, que identifique cada risco existente e que alinhe ações concretas e eficazes para o seu evitamento ou resolução. Um plano com dotação orçamental adequada.

Muito pode ser feito no Entroncamento. Hoje, é possível definirmos e implementarmos já um conjunto de ações imediatas multidisciplinares para resolver os nossos principais problemas, a título de exemplo: colocação de camaras de vigilância em locais estratégicos e de risco da cidade, a instalação de semáforos, radares e lombas de redução e controlo de velocidade, aquisição de serviços de vigilância adjacentes, reorganização do trânsito, identificação, sinalização e acompanhamento próximo das crianças vítimas e das crianças potenciais agressoras de bullying, … e muito muito mais, mas que pode ser implementado já.

Estas podem ser facilmente acomodadas no orçamento camarário, substituindo outras despesas, como Festas ou outras iniciativas de idealistas para “tolos”, ou recorrendo ao financiamento possibilitado pela disponibilidade conferida pela lei do endividamento das autarquias, assim haja vontade.

Já no enquadramento do investimento a prazo, o modo como concebemos e concretizamos o desenvolvimento da nossa cidade, como planeamos e gerimos os bairros, desenhamos os espaços públicos e os fazemos interagir com os espaços privados, como proporcionamos a apropriação social dos lugares e a criação ou o reforço das identidades locais e regionais, são fatores decisivos para que a nossa comunidade seja coesa e se sinta segura.

E por aqui se vê, que não basta falar em desguetização. É necessário um PDM resolvido e não “empacado” ad eternum e uma política estratégica de construção e reabilitação urbana que vá muito além do património ferroviário.

A nível habitacional não podemos ser apenas o dormitório mais barato dos subúrbios.

Atrocidades como um restaurante de fast food ou uma bomba de gasolina em zonas residenciais e a cortarem ciclovias também não podem acontecer.

A nível populacional, dispensamos facilmente estas políticas inclusivas pseudo-humanistas e pouco consequentes de mera “boa vontade”. Precisamos de uma estratégia, ações concertadas e alargadas de inclusão, integração e responsabilização efetivas.

Os últimos incidentes ocorridos na nossa cidade, que cumulam com os do passado recorrente, também demonstram que as políticas e medidas propostas pelos vários partidos nas eleições de há 6 meses eram, na sua maioria, apenas ideias e “lemas para ouvido fácil”, iniciativas genéricas e exercícios teóricos, significativamente, desadequadas ao perfil da cidade e ao contexto e população atuais; propostas, que agora, após uma enorme fatalidade, alguns tentam operacionalizar colocando à pressa triângulos dentro de quadrados.

Não podemos deixar que sejam repetidos os mesmos erros, sob pena de termos mais tragédias. Não podemos deixar que o sentimento de insegurança predomine na nossa cidade e afete direta e indiretamente tudo o que de resto temos de muito bom. Mas não o podemos esconder, camuflar ou deixar de enfrentar porque a segurança é um bem essencial à vida de todos nós, e por isso, inegociável.

Ao Executivo, cabe, no mínimo a humildade de começar a reconhecer os problemas de segurança e assumir responsabilidades.

À Oposição, agora com 4 Vereadores, cabe fazer mais e melhor.
Precisamos de ações.
A nossa cidade precisa e merece.

Manuel Faria,
Entroncamento, 17 de março de 2022.

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