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Junto à ponte Eiffel em Constância existia a taberna da Conceição Coimbra, a “Passinhas”. Mesmo à entrada da ponte sobre o “rio”, o Zêzere. Em bom rigor, a alcunha “Passinhas”  advinha da madrinha da  D. Conceição, ao que parece, de origem da vila de Mação.  Com dez tostões, comprava ali vinte rebuçados.  Retenho na memória aquela velhinha com o boião na mão, a abrir a tampa, despejando ao longo do velho balcão, os meus rebuçados, acastanhados. Eram vinte. Éramos dois a fazer a contagem. A D. Conceição, de poucas palavras, cumpria o ritual,  com o seu andar e gestos vagarosos.

As crianças tinham o hábito de organizar naquela altura, corridas desde a escola primária até à “Cantina”. A memória dos homens guardava o topónimo:” vamos ver quem é o primeiro a chegar à cantina!”

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Debaixo do braço eu levava o jornal “O Século” acabado de comprar no “Café da ponte’.

Chegado a casa, o meu saudoso pai recortava para mim a banda desenhada do “Fantasma”.  E era uma alegria esperar pela próxima edição, para poder acompanhar a história. Eram tempos revolucionários. Comprava também os jornais “O “Diário”, “Diário Popular”, “A Capital” (vespertino).  O meu “ordenado”  eram vinte escudos mensais. Tinha aquela rotina de ir à “cantina”, local do “Café da Ponte”, da Dona Vergínia Tavares e do Sr Manuel Brás. Depois de lermos os jornais ia oferecê-los  ao velho Paveia, no segundo andar, defronte da farmácia do Sr Vieira e do Godinho.

Em tempos mais recuados tinha existido de facto naquele sítio da ponte, a “Cantina” das velhas Burguetes, tias da Elvira (dos célebres queijinhos do céu) e  da Maria do Carmo Burguete,  onde havia uma espécie de “albergue” para acolher os peregrinos. A ponte foi sempre local de encontro e de cruzamentos, de passagem de forasteiros. Mais tarde, já nos anos 80, passava por ali  quase todos os dias, menos à terça-feira, dia de encerramento. Os proprietários, a Dona Vergínia e o  sr Manuel, organizavam excursões e tinham o negócio de “letras” uma espécie de crédito. O Sr Manuel Brás ajudou muitas famílias de Constância a ultrapassar dificuldades. Foi ele quem ofereceu a primeira ambulância para a Corporação dos  bombeiros. As nossas conversas eram sempre sobre política e assuntos sociais. Com sentido acentuadamente crítico da esquerda irresponsável, portanto, virado à direita… Também falávamos de histórias do contrabando na fronteira com Espanha, pois as conversas são como as cerejas e os segredos de algumas personalidades não eram de todo desconhecidos…

Naquele local da ponte existiu no início do século XX a ferraria do Alfredo Burguete,  homem temido na vila, de quem se contavam histórias de verdadeiro terror. Alfredo Burguete acabou deportado para África na sequência da tragédia da fonte de São Vicente, crime hediondo e macabro que me foi relatado pelos velhos da vila. As coisas que eu sei do Alfredo…

O “Café da Ponte” servia refeições e tinha uma cliente da vila, a Dona Maria José Falcão, a qual não dispensava um bom bitoque da Dona Vergínia. No mês de Agosto o café era local de encontro dos meus amigos emigrantes em Paris.Os “flipers” faziam a novidade e eram motivo atractivo dos jovens. Mesmo ao lado havia uma arrecadação onde chegou a ser construído um barco.

A ponte é sempre um encontro  inevitável dos viajantes,  caixeiros, peregrinos, ou mesmo clientes de rotina de passagem, os quais  “faziam a casa”. Não se pode dizer que a população da vila fosse grande frequentadora do estabelecimento.

Já mais recentemente, em 2013,  aquando da minha candidatura a presidente da Câmara, escolhi o local deste antigo café, para sede da minha campanha. Por razões sentimentais.

Sei que o edifício era então armazém de canoas.

Quando andávamos a lavar o espaço, para preparar a nossa sede, vinham-me à memória as recordações da minha infância e juventude.

Aquelas conversas com adultos deram-me uma visão do mundo,,  mais avisada. Comentávamos os jornais e o telejornal. Sempre tive uma natural propensão para conversar com pessoas muito mais idosas do que eu. Da Dona Vergínia e do Sr Manuel Brás, retenho a memória de dois amigos, respeitadores, preocupados  com a qualidade de vida dos portugueses mas implacáveis com a esquerda irresponsável que não se coibiam de  criticar.

Eram pessoas com carácter.

Da velha taberna da Conceição Coimbra sei que era local de petiscos antigamente, na sua varanda. Nos anos 50 a minha mãe comprava ali sopa diária, quando regressava do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas onde cosia e dobrava pára-quedas (foi a primeira mulher em Portugal a ser admitida neste batalhão para tal serviço, unidade militar que foi implementada através dos espanhóis…).

A ponte tinha uma certa mística.

Até aos anos 80 havia o costume de irmos receber ali os féretros os quais seguiam depois em cortejo silêncioso para a matriz ou directamente para o cemitério, consoante o veredicto do   prior…

Chegou a haver cadáveres que seguiam em padiola, tal era a miséria humana. Mesmo em criança não deixava de espreitar todos os funerais…

A volta a Portugal em bicicleta era mais uma oportunidade para encontros na ponte.

No outro extremo da ponte existia a casa da mãe da “Mari  da Ponte” onde se faziam bailes à moda do tempo.

Segundo o cronista Joaquim dos Mártires Neto Coimbra, meu saudoso amigo, aquando da construção da ponte no final do século XIX, ainda existia a fonte do Vigário, então destruída.

Era ponto de encontro de namorados. Na antiga estrada perto do rio, lá estão ainda os bancos acolhedores…

Por volta de 1937/8  quando o meu avô materno passava a ponte a pé mais a sua prole, estava lá por acaso do destino o meu pai, e esse facto foi-me relatado por ele.

A ponte é sinal de união de margens e de homens. A ponte é um repositório imagético.

Hoje… é um local abandonado.

 

José Luz (Constância)

PS- não uso o dito AOLP.

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